sexta-feira, 22 de abril de 2011

Tecnoesfera, Pscioesfera: A publicidade como um elemento do espaço.

Lídia Antongiovanni

Este estudo é uma primeira aproximação do par dialético de conceitos propostos por Milton Santos (1994a, 1994b), mediante o qual podemos entrever o espaço: tecnoesfera e psicoesfera.
As inovações tec nológicas configuram, cada vez mais, o espaço como um meio técnico-científico-informacional (Santos, 1994a). Ciência e técnica, de maneira muito intricada, sobrepõem-se, reconfigurando o meio técnico preexistente. E com as mais recentes inovações tecnológicas, em especial na área das telecomunicações e da informática, assistimos à configuração de um meio técnico-científico-informacional, que inclui objetos (técnicos) e ações.
Tecnoesfera e Psicoesfera, juntas, compõem tal meio. A primeira é a artificialização crescente do meio. É a sua intensa racionalização e tecnificação. A psicoesfera é também produto do artifício, no âmbito dos desejos, hábitos, vontades. É a captação e a apropriação, até mesmo criação de subjetividades.
Nossa intenção, é, por meio da análise da atividade publicitária, operacionalizar tais conceitos: tecnoesfera, psicoesfera. Perguntamos: qual é o entrelaçamento da publicidade com a organização e produção do espaço? Faz-se necessário, porém, compreender um pouco o universo publicitário no mundo contemporâneo para, posteriormente, resgatar aqueles conceitos.
Segundo Ribeiro (1988), "a palavra propaganda (de propagare, do latim, significando multiplicar, por reprodução ou por geração, estender, propagar) teria sido introduzida pela Igreja Católica no século XVI (Papa Clemente - fundação da Congregação da Propaganda); mantendo seu significado eclesial até o século XIX quando adquiri significado também político (disseminação de ideologias). Já a palavra publicidade (publicité)(do latim publicus - público), teve, no início, um sentido jurídico, de tornar público; adquirindo no século XIX, também um sentido comercial (anúncios).
"Reencontramos, desta maneira, na sintomática simbiose crescente entre estas duas palavras, a duplicidade de sentido político-ideológico presente nas práticas que caracterizam os processos modernos de comunicação e intercãmbio"(p.183-4).
É nesse sentido, das práticas que caracterizam os processos modernos de comunicação e intercâmbio que procuramos entender a publicidade. Como um ramo da produção a serviço da sociedade de consumo e da sua crescente exacerbação. A forma atual da atividade publicitária vem compondo-se sobretudo no pós-segunda guerra mundial, com a aceleração da industrialização e a transformação da imprensa em meio de comunicação de massa além da crescente introdução no cotidiano de outros meios. estes são centrais na sociedade de consumo e são os veículos por excelência da publicidade.
De encontro com a idéia de que a publicidade é parte essencial da crescente exacerbação da sociedade de consumo, vêm ideias como a de Roberto Menna Barreto (1978). Segundo ele: "A propaganda nasce como solução para a indústria, e a criatividade como solução para a propaganda"(p.108)(apud Ana Clara Torres Ribeiro, 1988, p.137). Assim, pensamos que a publicidade funciona, hoje, como um lubrificante do mercado. Amenizadora da fricção entre mercadoria, tempo (como etapa do capitalismo) e espaço (formações socioespaciais e lugar), possibilitando uma aceleração do consumo.
Como um lubrificante do mercado, da sociedade de consumo, a atividade publicitária é um dos vetores da vertiginosa aceleração contemporânea em que um dos elementos centrais é o império das imagens. Na produção da imagem, recurso por excelência da publicidade, estão envolvidos, de forma complexa, elementos técnicos e subjetivos, assim como se dá em relação ao produto publicitário. Segundo Daniel Bougnoux, a publicidade não pode ser subestimada tamanha sua complexidade pois está "situada na intersecção da problemática marxista (o fetichismo da mercadoria) e freudiana (a máquina do desejo) da sociologia (os modos de vida) e dos estudos de semiologia e de retórica (política do texto e da imagem, arte de persuadir e manipulação do imaginário em geral)... A publicidade é o estágio estético da mercadoria"(p.167).
A complexidade da publicidade se traduz, então, na concepção e produção das imagens, do discurso, bem como na sua veiculação.
Segundo Ribeiro(1988) "o período histórico de constituição da rede moderna de comunicação é, também, o período de expansão de novos circuitos de intercâmbio que encontram-se situados entre a produção e o consumo final. Estes circuitos constituem, por sua vez, esferas de produção posicionados nos campos da comunicação e cultura, ou melhor, na produção e na circulação de mensagens, imagens e informação"(p.128).
Para Milton Santos (1985) à segmentação tradicional do processo produtivo (produção propriamente dita, circulação, distribuição e consumo pode-se acrescentar, "em lugar de destaque, como ramos automatizados do processo produtivo propriamente dito, a concepção, o controle, a coordenação, a previsão, paralelamente à mercadologia (marketing) e à propaganda"(p.3).
Voltamos, assim, à ideia de publicidade como lubrificante do mercado, fazendo parte do processo produtivo nas esferas mais racionalizantes da produção no mundo atual. Pois, além de sofisticar o discurso, construindo a metamercadoria, utiliza e solicita as mais novas tecnologias. Retomando Ana Clara Torres Ribeiro (1988), "podemos dizer que umproduto, hoje, contém camadas superpostas de re-produção, correspondentes na novas decomposições da divisão social e territorial do trabalho, que significam a incorporação de ideias e conceitos aos seus limites físicos e composição intrínsecas"(132). Assim, os produtos são volatilizados em imagens (re-produtos), campo específico da publicidade, executado, sobretudo, pelas agências de propaganda.
O produto da concepção e produção publicitária tanto é materialidade com sua base técnica quanto é concepção estética e discursiva, introduzido de forma quase que naturalizada no nosso cotidiano. Segundo Jean Baudrillard (1993), a mensagem publicitária está tão inserida no cotidiano que se torna até familiar, convertendo-se mesmo em identidade e referência.
Conforme Milton Santos(1994a, 1994b) propõe, o espaço geográfico é formado por um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações. Os objetos não têm existência real, valorativa, sem as ações(1994b:6). A tecnoesfera é o muno dos objetos, a psicoesfera, das ações e estas, funcionando de modo unitário, definem cada subespaço que contém frações dos sistemas de objetos e sistemas de ações, cuja totalidade é o Mundo.
Nesse contexto, a publicidade compõe o espaço à medida que cria e necessita de tecnoesfera(s) e psicoesfera(s) densificadas e profundamente entrelaçadas, com os aportes de ciência, tecnologia e informação ao território funcionando sob comandos unificados. Ela é mesmo um dos organizadores destes comandos. Navega nestas esferas, através do uso intenso da ciência, da técnica e da produção de imagens simbólicas, compondo e direcionando o nosso entendimento do mundo. A grande cidade vista por Milton Santos (1994) como o mais representativo fenômeno do meio técnico-científico é, hoje, também, intensamente artificializada pelos objetos-discursos da publicidade.
A tecnoesfera, que é o âmbito da técnica e da organização normada, tende a ser homogênea em grandes porções do território justamente porque há temporalidades hegemênicas. Por isso, são implantadas verdadeiras próteses aos territórios que devem funcionar eficientemente e portanto apresentam uma linguagem rígida e dirigida. Para agir no território torna-se necessário traduzir e reproduzir os códigos sob os quais ele funciona. É desse modo que tecnoesfera produz psicoesfera.
Embora a psicoesfera também seja fruto do artifício, por operar no âmbito das subjetividades e dos desejos, permite ações cotidianas e usos do território não padronizados, flexíveis.
Tecnoesfera e psicoesfera são, pois, indutoras de movimento. São inseparáveis. Quando, porém, procedemos analiticamente e as separamos, nos é permitido pensar o meio técnico-científico-informacional tanto na dimensão material quanto na intermaterial e suas múltiplas interconexões possibilitando apreender suas vocações.
A publicidade atua por conta de agentes hegem~enicos, cuja ação corresponde a interesses específicos que podem não ser do indivíduo nem da sociedade, mas são eficazes. Assim, diante de uma psicoesfera a publicidade propõe outra ao trazer elementos novos que redimensionam o meio-técnico-científico-informacional, gerando um novo movimento no todo. As diferentes psicoesferas são alimentadas pelos objetos publicitários - frutos do casamento entre ciência e técnica - que constituem parte da base material que permite as ações racionalizadas esperadas por aqueles agentes.
Configurando-se como conjunto de imagens simbólicas das subjetividades contemporâneas, a publicidade ocupa lugar de destaque na produção da vida hoje, já que penetra os diferentes locais diluída em ações associadas aos objetos informados.
A publicidade é uma verdadeira mediação entre as instãncias coaisi: espaço, cultura, política, economia. E, ao entendermos o espaço conforme Milton Santos (1994a), como conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações, pensamos poder revelá-lo através da análise da atividade publicitária, recorrendo ao par dialético de conceitos tecnoesfera e psicoesfera, ao considerarmos que a base de trabalho da publicidade é um conjunto de obejtos fetichizados e ações direcionadas para o consumo.

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