quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Evidências mostram que Amazônia já teve até cidades

Olhando ao redor da floresta amazônica hoje é difícil imaginá-la cheia de pessoas. Mas nas últimas décadas arqueólogos encontraram evidências de que antes da chegada de Colombo, a região teve até mesmo cidades. O grau de ocupação humana na Amazônia continua a ser muito debatido, porque diversas áreas da floresta tropical de 6 milhões Km² permanecem inexploradas. Agora os pesquisadores construíram um modelo de previsão onde os sinais de agricultura pré-colombiana serão mais fáceis de serem encontrados, e eles esperam que essa ferramenta ajude a orientar futuros trabalhos arqueológicos na região, relata uma matéria da revista Science desta semana.

A revista diz que arqueologia na Amazônia ainda está em sua "infância". Não só é difícil montar escavações em larga escala no meio de uma floresta tropical, mas até recentemente os arqueólogos presumiam que não havia muito para descobrir. O solo amazônico é notoriamente de má qualidade, todos os nutrientes são imediatamente sugados pela floresta assombrosa, por conta de sua biodiversidade. Por muitos anos os cientistas acreditavam que o tipo de agricultura em grande escala necessária para apoiar as cidades era impossível na região. Descobertas de terraplenagem gigantescas e estradas antigas, no entanto, sugerem que a região foi densamente povoada com centros de longa duração. O segredo agrícola? As agriculturas pré-colombianas enriqueceram o solo, criando o que os arqueólogos chamam de terra preta.


A matéria explica que terra preta, literalmente "terra negra"- é o solo que os seres humanos têm enriquecido a ter duas a três vezes o teor de nutrientes das imediações, solo de má qualidade, explica Cristal McMichael, paleoecologista no Instituto de Tecnologia da Flórida, em Melbourne. Embora não exista uma definição padrão para a terra preta, ela tende a ser mais escura do que outros solos da Amazônia e possuem carvão vegetal e fragmentos de cerâmica pré-colombiana misturadas dentro. A maior parte foi criada entre 2500 e 500 anos atrás. Como as obras de terraplanagem, a terra preta é considerada um sinal de que uma determinada área foi ocupada por seres humanos no passado pré-colombiano.

Analisando a localização e dados ambientais de terra preta, em mais de 1000 sites, e comparando com informações de solos sem nenhuma terra preta, a equipe de pesquisadores encontrou padrões de distribuições e solos enriquecidos. Os cientistas concluíram que é mais provável que se encontre terra preta na Amazônia central e oriental, perto de rios, chegando ao oceano atlântico. É menos provável que se encontre na Amazônia Ocidental, onde o escoamento dos Andes adiciona naturalmente nutrientes ao solo, e em áreas montanhosas, como Llanos e Moxos, na Bolívia, onde se encontra muitas terraplanagens pré-colombianas. Analisando as condições ambientais associadas à terra preta, a equipe de pesquisadores descobriu um modelo de previsão onde a terra preta é mais provável de ser encontrada. A suspeita é de que há 154.063 km² de terra preta na Amazônia, compondo cerca de 3,2% da área total da bacia.

Não só os locais prováveis de terra preta revelam possíveis padrões de ocupação humana na Amazônia, mas também dá os arqueólogos "ponto de partida" para futuras escavações, diz McMichael. "Dentro de uma floresta de quase 6 milhões de quilômetros quadrados, é difícil para os arqueólogos determinar a localização para a amostragem", explica ela.


A revista ressalta que outros especialistas sobre a Amazônia são mais céticos. Michael Heckenberger, arqueólogo da Universidade da Flórida, em Gainesville, que não esteve envolvido na pesquisa, aponta para uma possível discrepância nos métodos de amostragem utilizados pela equipe de McMichael. Os levantamentos feitos para fazer o modelo estatístico, diz ele, "só acontecerá onde houve levantamento arqueológico intensivo." As áreas designadas como terra livre-preta, por outro lado, foram mostrados e categorizados por ecologistas e geólogos, muito antes de alguém estar à procura de terra preta ou outros sinais de assentamentos pré-colombianos na Amazônia. Só porque uma região é rotulada de terra livre-preta, não significa que não há nenhuma terra preta lá, diz Heckenberger. Significa apenas que os arqueólogos não estavam lá para olhar ainda. Mapa de McMichael "serve como um lembrete de que nós não sabemos" sobre o passado da Amazônia, diz ele.

McMichael concorda que um rótulo sem terra preta não deve ser tomado como prova de que os seres humanos nunca se estabeleceram em uma região. A relativa falta de terra preta em torno das obras de terraplanagem de Llanos de Moxos, na Bolívia, prova que os seres humanos não necessariamente enriqueceram o solo, ou fizeram da mesma forma em todos os lugares que viveram, diz ele. "Eu acho que as culturas se adaptaram de forma diferente para as diferentes condições ambientais", a criação de terra preta, onde o solo natural foi particularmente fraco, modificou seu ambiente de outras formas em regiões onde eles não necessariamente precisaram enriquecer o solo para suportar grandes populações.

McMichael espera usar seus métodos estatísticos para modelar todos os tipos de impactos humanos antigos na Amazônia. Sua equipe tem o papel de prever os locais das obras de terraplanagem e, eventualmente, ela espera criar um mapa de correlação entre os assentamentos humanos do passado com vários padrões ecológicos. Se os seres humanos pré-colombianos incentivaram a propagação de certas plantas e animais que encontraram útil nas regiões em torno de seus assentamentos, por exemplo, que pode afetar a distribuição das espécies na Amazônia hoje. Logo, os cientistas podem ser capazes de ir além da terraplanagem e da agricultura e ler a história da Amazônia na própria floresta, finaliza a matéria da revista.

Foto: Acervo Arqueotrop

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Ministro do STF quer fim de prisão a pequeno traficante e descriminalização da maconha

Luis Roberto Barroso afirma durante sessão que visão atual sobre drogas serve para mandar para a prisão negros e pobres e que criminalização oferece ao tráfico a chance de substituir papel do Estado.
O ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou-se hoje (19) o primeiro da Corte a defender um debate aberto sobre a descriminalização da maconha e o fim da prisão a pequenos traficantes e a usuários. Durante voto sobre a imposição de penas severas a comerciantes de pequenas quantidades de drogas, Barroso foi além e informou aos colegas que mudou sua opinião sobre o tema depois de se dar conta de que uma grande proporção dos casos judiciais diz respeito a estas situações.
“É por essa razão que em relação à maconha penso que o debate público sobre a descriminalização é menos discutir acerca de uma questão filosófica e mais discutir acerca da circunstância de se fazer uma escolha pragmática”, argumentou, alterando sua visão anterior a respeito do tema, quando considerava que as circunstâncias de apreensão e a quantidade apreendida poderiam ser levadas em conta duas vezes na definição do tamanho da pena, visão contestada pela Defensoria Pública da União.
“Não vou entrar na discussão sobre os malefícios maiores ou menores que a maconha efetivamente cause. Mas é fora de dúvida que esta é uma droga que não torna as pessoas antissociais. E diante do volume de processos que recebemos, cheguei à constatação, que me preocupa, de que boa parte das pessoas que cumprem pena nos presídios brasileiros por tráfico de drogas são pessoas pobres que foram enquadradas como traficantes por portarem quantidades que caracterizavam tráfico, mas não eram significantes, de maconha”, defendeu, afirmando ser inconveniente que a legislação penal atual faça com que a maior parte dos encarcerados no país sejam réus primários detidos por motivos banais.
“Está ao meu alcance e possibilidade optar por uma interpretação menos dura dessa legislação. Por essas razões, metajurídicas, que formam a maneira como vejo e penso, estou reajustando minha posição”, explicou. “Veja que o foco do meu argumento não é a questão do usuário. Não que considere este foco desimportante. Mas minha preocupação é outra e é dupla. A primeira é reduzir o poder que a criminalização dá ao tráfico e aos seus barões nas comunidades pobres do país. A criminalização fomenta o submundo, dá poder político e econômico a esses barões do tráfico, que oprimem essas comunidades porque conseguem oferecer utilidades e remuneração maiores do que o Estado e o setor privado em geral.”
O caso
O voto de Barroso foi dado durante o debate acerca de dois habeas corpus que dizem respeito a pessoas detidas por pequenas quantidades de drogas – um com seis gramas de crack e outro com 70 pedras da mesma droga. Os processos foram encaminhados ao plenário porque as duas turmas de ministros do STF têm posições divergentes a respeito do assunto. A dúvida é se a Lei 11.343, de 2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, permite que a circunstância da apreensão e a quantidade apreendida sejam levadas em conta duas vezes na fixação da pena: no cálculo da dosimetria e na hora de avaliar quais elementos podem levar a uma redução ou a um aumento desta dosimetria.
Em um dos casos em questão, o juiz de primeira instância considerou estes dois fatores nos dois momentos, o que, na visão da Defensoria Pública da União, leva à fixação de uma sentença desproporcional ao crime. Para o defensor Gustavo de Almeida Ribeiro, não há dúvidas de que apenas na primeira fase devem ser tomados em consideração a quantidade e a circunstância.
Na segunda, ao avaliar atenuantes, o juiz já tem de reconhecer de antemão que o réu preenche os requisitos necessários: é primário, tem bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas e não integra organização criminosa. “Há ainda a proporcionalidade. Essa consideração excessiva da quantidade para agravar a situação do acusado traz outro problema, que é a enorme discrepância entre os diversos julgadores sobre o que seria uma grande quantidade”, sustentou, acrescentando que a maioria dos detidos por porte de drogas são pobres, muitas vezes forçados ao tráfico por um jogo de poder desproporcional. “Na maioria das vezes o verdadeiro dono da droga, o verdadeiro grande traficante sequer se aproxima dela.”
O Ministério Público Federal pediu a rejeição dos argumentos da Defensoria Pública por entender que não há uma pena mínima prevista em lei e que é preciso que a quantidade e a circunstância sejam tomadas em conta em mais de um momento. “Não me impressionou também o argumento trazido da tribuna de que essas pessoas são pobres, desassistidas da vida, pressionadas pelos grandes traficantes. Se assim levarmos o argumento, o argumento nos levaria à própria descriminalização da conduta”, afirmou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Mas a posição dele acabou derrotada pela maioria dos ministros, que seguiram os argumentos do relator, Teori Zavascki, e de Barroso. Para Zavascki, o juiz pode escolher em qual momento vai levar em conta os dois fatores, mas pode usá-los apenas uma vez. Os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e o presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, votaram no mesmo sentido.
Já Luiz Fux, Rosa Weber, Dias Toffoli e Marco Aurélio foram derrotados.
via RBA