terça-feira, 26 de junho de 2012

Mercosul e países sócios suspendem Paraguai do bloco regional

Marcia Carmo
De Buenos Aires para a BBC Brasil

 
Os países do Mercosul e seus sócios suspenderam a participação do Paraguai na próxima reunião do bloco, nesta semana, na cidade de Mendoza, na Argentina, segundo comunicado do Ministério das Relações Exteriores argentino divulgado neste domingo.
Com a medida o ex-vice-presidente de Fernando Lugo e agora seu sucessor, Federico Franco, ou qualquer integrante da sua gestão, estão impedidos de participar do encontro.
Lugo deixou o cargo após impeachment relâmpago na semana passada.
No comunicado, o Mercosul e seus sócios declararam a "mais enérgica condenação a ruptura da ordem democrática na República do Paraguai".
No total, entre os que integram o Mercosul e seus sócios, nove países da América do Sul decidiram "suspender a participação do Paraguai" na reunião de presidentes, na sexta-feira, dia 29 próximo, além dos encontros preparatórios do bloco, que começam nesta segunda-feira.
Os países citados no comunicado são: Argentina, Brasil, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru.
Poucos minutos após a divulgação do comunicado, o Itamaraty confirmou à BBC Brasil que a nota divulgada pela Chancelaria argentina foi acordada entre todos os membros do bloco e que o texto foi finalizado nas últimas horas.
"O Brasil deve procurar tomar todas as decisões futuras em relação à situação política no Paraguai da forma mais multilateral possível, no âmbito do Mercosul e da Unasul. A suspensão está confirmada e espera-se que até dezembro, quando o Brasil sediará uma cúpula do Mercosul, o assunto já esteja equacionado", disse a assessoria do Ministério das Relações Exteriores.

 

Cláusula democrática

No comunicado do Ministério das Relações Exteriores da Argentina afirma-se que a decisão em relação ao Paraguai foi tomada a partir do que estabelece o Protocolo de Ushuaia, assinado na Patagônia argentina, sobre "Compromisso Democrático no Mercosul".
O documento foi assinado em julho de 1998, após uma crise institucional no próprio Paraguai.
O texto estabelece a "plena vigência das instituições democráticas como condição essencial para o desenvolvimento do processo de integração".
No entendimento dos nove países, o Paraguai "não respeitou este processo" do documento de Ushuaia, segundo o comunicado.
Em uma entrevista em Assunção, o ex-presidente paraguaio, Fernando Lugo, disse que vai comparecer ao encontro em Mendoza.
"Vamos estar presentes na próxima reunião do Mercosul", afirmou na porta da sua casa no município de Lambaré, na grande Assunção.
Pelas regras do Mercosul as reuniões são rotativas a cada semestre. Após esta reunião na Argentina, seria a vez de o Brasil presidir as discussões do bloco. De acordo com o comunicado argentino, os presidentes vão decidir as "próximas medidas a serem adotadas" em relação ao país no dia 29 próximo.

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120624_mercosul_paraguai_mc.shtml

segunda-feira, 25 de junho de 2012

'Sou o presidente de todos os egípcios', diz líder eleito no Egito

Mohammed Mursi, da Irmandade Muçulmana, discursou na noite deste domingo como o primeiro presidente democraticamente eleito da história do Egito, prometendo ser "um presidente para todos os egípcios".
Em seu pronunciamento histórico, Mursi agradeceu aos mais de 900 "mártires" da Revolução de 25 de Janeiro, que morreram durante os confrontos e protestos que pediam a renúncia de Hosni Mubarak, que governou o país por quase três décadas.
Ele preferiu saudar os revolucionários e agradecer a Deus, repetidas vezes, e não comentou a decisão dos militares de expandir seus poderes na semana passada, esvaziando o cargo do presidente. Além disso, Mursi não se pronunciou sobre a decisão da Suprema Corte de dissolver o Parlamento, também na semana passada.
"Para todos os meus irmãos, minha tribo, minha família, falo a você hoje com o agradecimentio a Deus que chegamos a este período histórico. Agradeço a todos os egípcios que pagaram com suas lágrimas, sangue e sacrifícios. Sem esses sacrifícios eu não poderia estar aqui como o primeiro presidente eleito da história do Egito".
"Temos que saudar a todos que regaram a árvore da liberdade com seu sangue", disse.
Horas depois de reiterar seu slogan de campanha, "o islã é a solução", Mursil, agora já como novo presidente, disse que "Deus é o nosso guia para o caminho certo".
"Não trairei Deus e não trairei vocês. Não irei contra a vontade de Deus", acrescentou, deixando claro que vai governar para todos, incluindo muçulmanos e cristãos.

 

Política externa

Em temas de política externa, Mursi fez um discurso que deve agradar aos Estados Unidos e Israel, embora seja cedo para determinar como devem ser as novas relações entre seu governo, as potências ocidentais e outros países da região.
"Respeitaremos os direitos das mulheres e crianças, os direitos humanos e nossos acordos internacionais", disse. Na visão de analistas os acorsos referidos são o tratado de paz assinado com Israel.
No entanto, Mursi também disse que o Egito deve buscar "relações internacionais equilibradas e baseadas em interesses mútuos e respeito".
"Não permitiremos qualquer interferência em nossos assuntos internos, protegendo nossa soberania nacioanal, e não apoiaremos interferências em outros países. O Egito tem a capacidade de se defender sozinho", indicou.
Para o analista da BBC Kevin Connoly a vitória de Mursi é um momento de profunda mudança no Egito. Seu partido, a Irmandade Muçulmana, já teve muitos de seus membros presos por décadas, agora tem um de seus líderes ocupando o palácio presidencial.
O chefe do Conselho Supremo Militar, o marechal Hussein Tantawi, parabenizou Mursi pela vitória, e chanceler britânico, William Hague, disse que o anúncio é "um momento histórico para o Egito".
Em comunicado, a Casa Branca disse: "Nós acreditamos que é essencial que o governo egípcio continue a satisfazer o papel do Egito como um pilar regional de paz, segurança e estabilidade", em referência ao fato de que o país é a única nação árabe a ter um acordo de paz com Israel.
O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, disse esperar que o tratado de paz entre os dois países seja mantido.

 

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O candidato da Irmandade Muçulmana foi declarado neste domingo o vencedor da eleição presidencial no Egito, após semanas de tensão no país.
Tanto Mursi quanto seu rival, o ex-premiê Ahmed Shafiq, reivindicavam vitória no pleito que foi realizado na semana passada.
Segundo a autoridade eleitoral – que atrasou em quase duas horas a divulgação dos resultados – Mursi recebeu 51,73% dos votos.
O candidato do partido islamista será o primeiro presidente do Egito após décadas de domínio de Hosni Mubarak.
O anúncio deu início a uma grande festa da multidão que se reúne na Praça Tahrir, no centro do Cairo. Há dias, milhares de pessoas mantêm uma vigília contra o anúncio feito pelo poderoso Conselho Supremo das Forças Armadas de que pretende restringir alguns dos poderes do presidente.
No dia 13 de junho, o atual governo, que ainda é controlado pelo Exército, deu aos soldados o poder de prender civis em tribunais militares até a ratificação da nova constituição egípcia.
Quatro dias depois, os generais anunciaram poder de veto no processo de elaboração da nova constituição. Na segunda-feira, o diretor do Conselho Supremo das Forças Armadas, Hussein Tantawi, anunciou que vai restabelecer o Conselho Nacional de Segurança do país.

 

Tensão

Nos últimos dias, havia um clima no país de indefinição, sem nenhum sinal sobre o que seria decidido nas urnas.
O Parlamento egípcio, que foi escolhido em eleições livres em novembro, foi dissolvido. A Irmandade Muçulmana, que possuía a maioria, protestou contra a decisão.
Para piorar o clima de tensão política no país, a comissão eleitoral atrasou a divulgação dos resultados. Inicialmente, o vencedor seria declarado na quinta-feira, mas a comissão – que é formada por cinco juízes – disse precisar de mais tempo para investigar todos os recursos feitos pelos candidatos.
O atraso alimentou boatos de que o Conselho Supremo das Forças Armadas e a Irmandade Muçulmana estariam negociando nos bastidores o futuro do país.
Para alguns analistas, os militares, que apoiavam Ahmed Shafiq, teriam percebido que a vitória de Mursi era irreversível, e estariam buscando um acordo para conquistar imunidade contra possíveis processos.
Os islamistas da Irmandade Muçulmana – que foram o maior partido de oposição durante toda a era Hosni Mubarak – querem retomar os poderes presidenciais. Mas os egípcios não sabem até que ponto os militares estão dispostos a deixar o poder.
Para o professor de direito constitucional Gaber Nassar, existe animosidade demais entre os dois lados para que eles consigam firmar um pacto.

 

Quem é Mohammed Mursi?

O presidente eleito do Egito, Mohammed Mursi, de 60 anos, estudou nos Estados Unidos e é formado em engenharia. Ele foi parlamentar entre 200 e 2005.
Pouco após a revolução de 2011, a Irmandade Muçulmana formou o Partido da Liberdade e Justiça, e indicou Mursi para comandar a sigla.
Mursi, que há anos integra a Irmandade Muçulmana, é conhecido por ser uma pessoa discreta. Alguns críticos dizem que ele não tem carisma.
Ele não era a primeira opção da Irmandade Muçulmana. O favorito da Irmandade era Khairat Al-Shater, que não pode concorrer por ter ficha policial (seus apoiadores dizem que ele é vítima de injustiças da era Mubarak).
Mursi prometeu em sua campanha que trará "justiça e prosperidade" ao Egito.

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120624_mursi_egito_jp.shtml




terça-feira, 5 de junho de 2012

América do Sul vive nova corrida ao ouro

A valorização de quase 100% no preço do ouro desde o início da crise econômica mundial, em 2008, está provocando uma nova corrida ao minério na América do Sul, com a reabertura de minas desativadas há décadas e a migração em massa para áreas de garimpo.
O fenômeno é sentido, em variados graus, em pelo menos nove países, segundo levantamento da BBC Brasil.
Enquanto tentam atrair investimentos estrangeiros para o setor, os governos da região vêm intensificando os esforços para combater a mineração informal.
Eles argumentam que a atividade destroi o meio-ambiente, sonega impostos e cria áreas sem lei, onde há problemas como a exploração sexual de mulheres. Além disso, dizem que grupos criminosos em alguns países sul-americanos estão se valendo da exploração de ouro para se financiar e lavar dinheiro.
Considerado um investimento seguro em tempos de instabilidade nas bolsas e forte oscilação de moedas, o ouro valia cerca de US$ 800 a onça (31 gramas) no fim de 2007.
Desde então, dobrou de preço, chegando a US$ 1.600. "Com o preço nesse nível, minas que não eram viáveis por terem baixo teor de ouro, hoje, se tornaram rentáveis, e minas já exploradas estão sendo reabertas", disse à BBC Brasil Arão Portugal, vice-presidente no Brasil da mineradora canadense Yamana.
No Brasil, entre as minas que serão reabertas está a de Pilar de Goiás, cidade fundada em 1741 durante o primeiro ciclo de ouro brasileiro. Outra é Serra Pelada, no Pará, que deve retomar suas atividades no início de 2013.

 

Migração

No Peru, principal produtor de ouro da América do Sul e sexto maior do mundo (os primeiros do ranking são China, Austrália e Estados Unidos), a alta do minério tem estimulado dezenas de milhares de moradores da região andina a tentar a sorte na Amazônia, onde há vastas reservas inexploradas sob a floresta.
Muitos deles se instalaram em barracas à beira da recém-inaugurada Interoceânica, estrada que liga o noroeste brasileiro a portos peruanos no Pacífico, para explorar ouro no entorno do rio Madre de Deus e de seus afluentes.
A BBC Brasil esteve em alguns desses garimpos, que se estendem na rodovia por ao menos 50 quilômetros e começam a surgir a cerca de 250 km da fronteira com o Brasil.
Ao redor dos acampamentos, áreas desmatadas e que tiveram o solo revirado expõem os efeitos colaterais da atividade, agravados à medida que a exploração avança pela floresta. Os danos ambientais incluem ainda a sedimentação dos rios e contaminação de suas águas por cianeto e mercúrio, usados no beneficiamento do minério.
Para combater a mineração informal, o governo peruano aprovou, no início do ano, um decreto que torna a atividade crime, com pena de até dez anos de prisão. Simultaneamente, passou a explodir dragas encontradas nos garimpos.
Em resposta, cerca de 15 mil mineradores, segundo estimativa da imprensa local, foram protestar em Puerto Maldonado, capital de Madre de Dios. O grupo se deparou com 700 policiais, que abriram fogo para dispersar a multidão. Os confrontos deixaram três mineradores mortos e ao menos 55 pessoas feridas, entre as quais 17 policiais.

 

Economia local

Confrontos em razão de restrições governamentais à mineração informal também têm ocorrido na Colômbia. Em dezembro, mineradores da região do Baixo Cauca, no noroeste colombiano, incendiaram pneus e fecharam vias na cidade de Caucasia. Eles protestavam contra o que consideram um tratamento prioritário dado pelo governo às multinacionais na concessão de licenças para mineração. As forças de segurança intervieram com bombas de gás lacrimogênio.

Segundo Carlos Medina, professor da Faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade Nacional da Colômbia, o ouro começou a ser explorado no Baixo Cauca nos tempos coloniais. No entanto, a atividade foi reduzida drasticamente nas últimas décadas, porque deixara de ser rentável. Com a escalada nos preços, o ouro voltou a sustentar a economia local.
O lojista Davidson Garcez, que atua na compra e revenda de ouro em Caucasia desde 1986, calcula que nos últimos quatro anos houve um incremento de 40% no comércio do minério. Ele diz que, quando ingressou no mercado, os mineradores que empregavam retroescavadeiras tinham de encontrar três castelhanos (ou 13,5 gramas) de ouro por dia para cobrir seus custos. Hoje, devido à valorização, basta que encontrem 1 castelhano (4,5 gramas) ao dia.
"Minas que foram degradadas há 15, 20 anos voltaram a ser exploradas", disse ele à BBC Brasil.
Em sua loja, o vendedor Lucio Ruiz observa orgulhoso as pilhas de ouro que serão negociadas com grupos empresariais de Medellín, maior cidade da região. De lá, serão exportadas principalmente para a Europa, Ásia e Estados Unidos.
"Gosto de imaginar que logo este ouro poderá estar no pescoço de alguma mulher americana, ou quiçá nos cofres de um banco no Japão", afirma.

 

Combate

Em discurso em janeiro em Caucasia, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, afirmou que buscaria coordenar esforços com países vizinhos que também estariam sofrendo com a mineração ilegal, entre os quais citou o Equador, o Peru e o Brasil.
"É um fenômeno que está acontecendo na região, entre outras coisas, pelo alto preço do ouro, mas também porque os grupos criminosos encontraram um filão onde às vezes os Estados demoram em ser efetivos em sua reação."
Nos últimos anos, governos da Venezuela, Bolívia e Equador também vêm adotando linha mais dura quanto à mineração informal, empregando inclusive as Forças Armadas em operações contra a atividade.
No Brasil, 8.700 militares atuam desde o último dia 2 numa megaoperação na Amazônia que busca, entre outros objetivos, combater garimpos ilegais nas fronteiras com a Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
A ação, denominada "Agata 4", mobilizará, por um mês, 11 navios, nove helicópteros e 27 aviões. A iniciativa se soma a três operações da Polícia Federal (PF) ocorridas desde o ano passado para combater o garimpo ilegal de ouro na região Norte.
O governo brasileiro vem sendo cobrado especialmente pela Guiana Francesa, Guiana e Suriname a controlar a ação de garimpeiros brasileiros na fronteira com esses países, atividade desenvolvida há décadas mas que ganhou novo fôlego com a alta dos preços.
No dia 25 de abril, num sinal da crescente tensão na região, cerca de cem mineradores brasileiros foram presos na Guiana.

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120529_ouro_corrida_jf_ac.shtml

sábado, 2 de junho de 2012

Análise: A Síria conseguirá evitar a guerra civil?

Horrorizada com o massacre de Houla e com outras atrocidades relatadas diariamente, a comunidade internacional debate como evitar que a Síria desemboque em uma guerra civil.
Mas, até agora, não há no horizonte nenhuma alternativa ao plano de paz desenhado pelo enviado especial da ONU, Kofi Annan, e pela Liga Árabe, plano que até agora conseguiu pouco progresso apesar de ter contado com o apoio do mundo inteiro - inclusive, em teoria, do próprio regime sírio.

O plano previa o recuo de tropas e um cessar-fogo, mas isso não aconteceu.
As conversas de Annan com o presidente sírio, Bashar al-Assad, não resultaram em avanços e, neste sábado, o enviado da ONU disse que "o espectro de uma guerra, com uma alarmante dimensão sectária, cresce a cada dia" na Síria.
O regime sírio teme que, ao recuar suas tropas, abra um vácuo que pode ser ocupado por combatentes rebeldes, o que lhe faria perder controle substancial em partes do país.
Em outras palavras, o governo sírio não pode se dar ao luxo de implementar qualquer plano de paz que inclua a retirada de militares, pois isso selaria o seu destino.
Isso deixa Kofi Annan em uma posição difícil na tentativa de convencer o regime de que a oposição síria respeitaria uma trégua - e de que os países que estão apoiando os combatentes rebeldes suspenderiam o fornecimento de armas para eles.
É por isso que Annan está visitando também países vizinhos da Síria, pedindo o fim do contrabando de armas pela fronteira.

 

O papel da Rússia

O que no momento parece estar faltando na equação é a pressão da Rússia sobre o regime sírio, a qual foi crucial para fazer com que Damasco aceitasse o plano de paz de Annan.
Por enquanto, apesar da indignação internacional após o massacre de 108 pessoas em Houla no último final de semana, a Rússia continua a se opôr à ideia de que o Conselho de Segurança da ONU (no qual tem poder de veto) deveria considerar ações mais duras e sanções contra Damasco.
Com essa posição, a Rússia vê crescer o seu ônus ao tentar garantir o cumprimento do plano de paz de Annan, que Moscou insiste ser o único caminho possível para a Síria.
À medida que a Síria caminha para a desintegração e para uma guerra sectária violenta, com graves consequências regionais, a Rússia talvez tenha, em breve, que escolher entre patrocinar uma transição séria e pacífica - na tentativa de resguardar um laço com o regime que emergir da crise síria - ou manter o posicionamento atual a qualquer custo, enquanto tudo ao seu redor desmorona.

 

Sinais de mudança

 E, após meses de um impasse sangrento entre uma oposição que não desiste e um regime que parece invencível, há sinais de mudança.
Pela primeira vez, comerciantes sunitas da zona antiga de Damasco - antes um dos pilares de sustentação do regime - fecharam suas portas nos últimos dias, em protesto pelo massacre de Houla.
Esse exemplo pode significar que uma combinação de colapso econômico e atrocidades sectárias podem ter levado o dissenso ao centro da capital síria e ao coração da base de apoio do regime.
Alguns moradores de Damasco dizem que a milícia pró-regime shabiha tem reprimido cidadãos no centro da cidade, vestidos em uniformes de tropas de choque e gerando indignação entre classe média, por conta de seu comportamento brutal e invasivo.
A percepção de vulnerabilidade e o estado alerta do regime podem ter se agravado, caso se confirmem os boatos de que alguns de seus membros graduados - incluindo o cunhado do presidente, Assef Shawkat - ficaram doentes ao serem envenenados por um opositor infiltrado, no mês passado.
O boato foi negado e ridicularizado por autoridades, mas há fontes que dizem que a história é verdadeira.

 

Colcha de retalhos

De qualquer forma, o nível de hostilidade no país está chegando aos níveis dos dias em que o plano de Annan entrou em vigor.
E atrocidades como o massacre de Houla, atribuídas pela oposição à milícia shabiha - que apoia o regime e é formada principalmente por membros da minoria alauíta, à qual pertencem Assad e seu clã - intensificaram o já forte aspecto sectário do conflito. Este, por si só, em parte fomentado pelas insatisfações da empobrecida maioria sunita.
Esse lado sectário faz com que alarmes estejam soando em todo o mundo.
Isso porque se a Síria, com sua colcha de retalhos de seitas e minorias, mantiver a espiral de conflito aberto, pode desembocar em uma guerra civil "catastrófica da qual pode nunca se recuperar", nas palavras do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
O vizinho Líbano, que compartilha muitos dos problemas da Síria, é um exemplo dos perigos que rondam Damasco. O país iniciou um conflito sectário em 1975 que se estendeu por anos e ainda pode eclodir nos dias de hoje.
Se a mesma coisa acontecer com a Síria, as consequências podem ser incalculáveis não apenas para os sírios, mas para toda a região. É por isso que os líderes globais estão tão alarmados. Mas eles parecem incapazes de impedir que isso aconteça.