quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O carro triunfou!

Apesar da campanha do “dia mundial sem carro”, o mesmo está mais do que nunca na moda. A civilização do automóvel já está entre nós brasileiros

21/09/2011

Cesar Sanson*

O carro triunfou. Eles entopem os estacionamentos das universidades privadas e públicas, dos aeroportos, dos shoppings, dos supermercados. Estacionar já se tornou um drama. Ter uma vaga cativa – e gratuita – é um privilégio que se assemelha ao da casa própria.

Nos grandes centros já é mais caro estacionar do que almoçar. A verdade é que ninguém quer andar de ônibus e menos ainda de bicicleta, com as ruas atulhadas de carros se tornou um perigo pedalar, fora a quantidade enorme de gás carbônico que se ingere.

A sugestão da “carona solidária” não pegou. Ninguém quer andar de carona com o outro, todos querem dirigir sua própria máquina. Ninguém quer esperar ninguém. Aliás, o ato de “esperar” se tornou um problema. Em tempos de sociedade da “banda larga”, esperar é o mesmo que sofrer.

O estresse no trânsito é alto, os engarrafamentos enormes, a irritação é grande, mas ninguém quer abrir mão do carro. E ainda mais: quanto mais potente, belo e equipado o carro, melhor. A última novidade é o GPS a bordo. Todos querem.

Já não basta o carro como utilidade de ir e vir, ele tem também que passar a imagem de belo e potente. Pense num mesmo itinerário feito por dois modelos diferentes de carros, um popular e um da categoria Sport Utility Vehicle, os SUV, que são potentes e com design arrojado. Qual é a diferença? A princípio nenhuma, os dois levam ao local desejado e, com os congestionamentos, no mesmo tempo. Porém, o capitalismo vende a ideia de que dirigir um SUV é mais agradável, a paisagem se torna mais bonita, o ar mais puro. Logo dirigir um carro potente oferece a sensação de prazer e poder que um popular não oferece.

Dirigir se tornou um ato de poder e prazer. Quem não tem carro deseja um, mesmo que seja popular, e quem tem um popular deseja um SUV. Ninguém quer regredir no consumo.

Nas eleições municipais do ano que vem, a problemática do trânsito insuportável nas grandes capitais voltará à baila e nenhum candidato terá a coragem de afirmar que a única forma de enfrentar o problema em áreas de congestionamentos é o pedágio urbano. A proposta é antipática. Viadutos, pontes, avenidas e eternas melhorias no transporte coletivo serão prometidas. O Brasil perde uma oportunidade com a proximidade da Copa do Mundo. O tema está desconectado da construção de estádios.

O fato é que apesar da campanha do “dia mundial sem carro”, o mesmo está mais do que nunca na moda. A civilização do automóvel já está entre nós brasileiros. As concessionárias e revendedoras comemoram vendas fantásticas e quebram recordes sucessivos. O governo dá o seu empurrão com as reduções de IPI que vão e voltam.

As montadoras afirmam que o “brasileiro ama carro”. E vai ver que ama mesmo, que o diga a “liturgia” de lavar o carro no final de semana, uma manifestação de amor ao veículo que ganha laços afetivos de membro da família.


*Cesar Sanson é pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores e doutor em sociologia pela UFPR.

Extraído: http://www.brasildefato.com.br/content/o-carro-triunfou

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Por uma nova geografia, Milton Santos - Fichamento

Capítulo IX - Uma nova interdisciplinaridade
“Desde que a geografia começou a busca de sua individualidade como ciência, os geógrafos tiveram a pretensão de que ela fosse, antes de tudo, uma ciência de síntese, isto é, capaz de interpretar os fenômenos que ocorrem sobre a face da terra, com a ajuda de um instrumental proveniente de uma multiplicidade de ramos do saber científico tanto no âmbito das disciplinas naturais e exatas, quanto no das disciplinas sociais e humanas”. (p.97)
“A capacidade de síntese, que não é privilégio de nenhum especialista surge como resultado de uma preparação intelectual que vai além da própria especialidade para abarcar o universo das coisas e a compreensão de cada coisa como um universo”. (p.98)
O isolamento da geografia
“Com a geografia além do mais, estamos diante de um paradoxo que, ao mesmo tempo, é uma ironia. Na verdade essa ciência de síntese é, seguramente, aquela que, na sua realização cotidiana, mantém menos relações com outras disciplinas. Tal isolacionismo é mesmo responsável pelas dificuldades que ela encontra para evoluir”. (p.98)
“De fato, a manutenção da ideia da existência de escolas nacionais de geografia está ligada, sobretudo, a um certo gênero de competição, cujos efeitos se fazem originariamente sentir muito mais fora das fronteiras dos diversos países. Cada qual das chamadas Escolas Nacionais de Geografia funciona muito mais eficazmente no estrangeiro do que dentro de casa. Constituem uma forma a mais de exercitar o imperialismo cultural, que é uma maneira insidiosa de insinuar, através dos intelectuais locais, uma interpretação alienada das realidades locais”. (p.99)
“Mas, nesta história cheia de ironias que é a história da geografia, tudo pode acontecer. A exportação de uma forma de elaborar o conhecimento que representa os interesses internos e externos do país exportador, termina por repercutir dentro dele através do condicionamento da pesquisa e do ensino, que formam uma unidade junto com os interesses político-econômicos dominantes em cada país. Isso ajuda, igualmente, a criar um isolacionismo que a barreira linguística e o agravamento das disputas hegemônicas entre países ricos só faz agravar”. (pp.99-100)
Vantagens da interdisciplinaridade
“A geografia padece, mais do que as outras disciplinas, de uma interdisciplinaridade pobre e isso está ligado de um lado à natureza diversa e múltipla dos fenômenos com que trabalha o geógrafo e de outro lado, a própria formação universitária do geógrafo”. (p.100)
“Na realidade, ainda está para ser analisada mais profundamente a coerência de uma autêntica preocupação interdisciplinária entre os geógrafos, potencialmente agravada pelo fato de todos, ou quase todos, estarem absolutamente certos de que trabalham de forma interdisciplinar. Como na realidade isso não se passa, a geografia não se beneficia dessa forma de enriquecimento”. (pp.100-101)
“O filósofo inglês Whitehead (1938 p. 136) nos lembra que a explicação para muitos fenômenos correspondentes a uma dada ciência é muitas vezes encontrada fora do âmbito dessa ciência. Em outras palavras: se ficamos confinados à sociologia para explicar o que se chama o fato social; à economia, para compreender os fenômenos econômicos; à geografia, para interpretar as realidades geográficas, acabamos na impossibilidade de chegar a uma explicação válida. Não há porque temer a invasão do campo do outro especialista”. (p.101)
“Na verdade, o princípio de interdisciplinaridade é geral a todas as ciências. Foi Jacques Boudeville quem escreveu que ‘toda ciência se desenvolve nas fronteiras de outras disciplinas e com elas se integra em uma filosofia. A geografia, a sociologia, a economia, são interpretações complementares da realidade humana’.”(p. 102)
Geografia e interdisciplinaridade
“A busca dessa interdisciplinaridade há tempo sugerida por Ritter inspirou os geógrafos em certo número de soluções. Uma delas foi a entronização do que se poderia chamar de geografias especiais, fórmula adotada por Jean Brunhes como Camille Vallaux, ambos criticados por Maximilien Sorre... ‘Apesar do que disseram Brunhes e Vallaux’, continua Sorre, ‘não há geografia especial nem um problema de geografias especiais, mas, somente capítulos de uma geografia humana cuja unidade não se deve romper porque o homem individual é, em cada um dos seus atos, um homem total’.” (p. 103)
“Além disso, e assim como ocorreu com muitas outras disciplinas, um outro fator veio contribuir para que a meta muito desejada não fosse alcançada. Referimo-nos à confusão entre interdisciplinaridade e multidisciplinaridade. Quando se fala em multidisciplinaridade se está dizendo que o estudo de um fenômeno supõe uma colaboração multilateral de diversas disciplinas, mas isso não é por si mesmo uma garantia de integração entre elas, o que somente seria atingível através da interdisciplinaridade, isto é, por meio de uma imbricação entre disciplinas diversas ao redor de um mesmo objetivo de estudo”. (p. 104)
“...Uma interdisciplinaridade mercantil, ao invés de fazer progredir a ciência, contribui para a sua regressão. Esse modelo, fundado na índole comercial de certas universidades do mundo desenvolvido é, todavia, transplantado para países cujas condições reais são bem diversas”. (p.104)
As etapas da interdisciplinaridade aplicada à geografia
“Em primeiro lugar teremos que falar da interdisciplinaridade clássica, baseada em relações bilaterais entre a geografia e a história. Durante muito tempo se considerou a história e a geografia como uma espécie de irmãs siamesas”. (p. 105)
“A noção de uma história que organiza os fenômenos no tempo e de uma geografia que os organiza no espaço, herança de Kant que Hettner reelaborou aperfeiçoando-a, e que um sem-número de geógrafos do nosso próprio tempo manteve quase intacta é responsável por um equívoco extremamente grave no domínio do método: porque a geografia, na realidade, deve ocupar-se em pesquisar como o tempo se torna espaço e de como o tempo passado e o tempo presente têm, cada qual, um papel específico no funcionamento do espaço atual...”. (p. 105)
“O melhor é pensar em termos de espaço e tempo. Estas duas noções também não são liberadas das mesmas dificuldades, talvez até maiores que as relacionadas com os vocábulos História e Geografia, porque o debate em torno da significação do Tempo e do Espaço iniciou-se com o começo da filosofia”. (p. 106)
“Uma segunda etapa da interdisciplinaridade em geografia é marcada por um fato muito mais negativo do que positivo, quer dizer, pela recusa dos geógrafos em aperfeiçoar conhecimentos oriundos de outras disciplinas. Esta fase é contemporânea daquele momento crucial em que os fundadores da geografia moderna passaram a ter como preocupação fundamental afirmar a geografia como uma ciência e como uma ciência autônoma”. (p. 106)
“A noção de interdisciplinaridade evoluiu com o progresso científico e o progresso econômico. E as novas realidades, exigindo uma explicação particular, exigem o aparecimento de novas disciplinas científicas. Isto equivale à morte da interdisciplinaridade clássica e à sua substituição por uma outra. O que ontem ainda podia ser considerado como um enfoque interdisciplinar correto, hoje não o é mais. Torna-se também necessário recusar aquelas contribuições parciais que anteriormente eram úteis, sempre que elas não mais representem as realidades. Nas condições novas aumenta a possibilidade de ajudar as ciências afins a progredir de fora para dentro com a contribuição de matérias vizinhas. Se, todavia, fazer progredir uma ciência particular não é um privilégio dos seus próprios especialistas, é, todavia, indispensável que o cientista, disposto a esse tipo de exercício, disponha das faculdades de crítica que somente podem ser-lhes oferecidas pela posse de uma concepção filosófica coerente”. (p. 107)
“A transformação da tecnologia em técnica é subordinada a dados econômicos, políticos, ideológicos; daí a necessidade da intervenção dos ensinamentos das ciências respectivas. Em nossos dias a ideologia vê aumentado o seu papel na interpretação do espaço pelo fato de os objetos serem planejados e construídos, com o objetivo de aparentar uma significação que realmente não têm. Tal significação é, muitas vezes, um resultado da preocupação com interesses de ordem internacional. Daí a importância do estudos das relações internacionais. E é para separar o significado assim outorgado ao objeto do seu valor real que a contribuição da semiologia surge como importante”. (p. 108)
“...E David Harvey (1972 p. 41 in Grave), um dos poucos geógrafos a se aventurar nesta seara intrincada que é a epistemologia da geografia, lembrando a dificuldade de termos de compreender psicologia, economia, sociologia, física, química e biologia, teme (1972 p. 41) ‘que a necessidade de especialização possa conduzir muitos dentre nós a nos concentrar apenas em um dos aspectos desse problema tão vasto’. Isto seria chegar ao resultado oposto ao desejado porque, ao invés de alcançar uma interdisciplinaridade suscetível de compreender os diversos aspectos de um mesmo objeto, chegaríamos a uma interdisciplinaridade coxa, uma especialização com todos os perigos da analogia do tipo mecânico”. (p. 109)
“O limite entre a utilização de uma descoberta obtida em um domínio do conhecimento e a posse completa e aprofundada deste domínio é bem colocado por A. N. Whitehead, quando se refere à enorme contribuição de Einstein para o desenvolvimento do conjunto das ciências. Em um discurso pronunciado ante uma assembleia de químicos ele foi levado a dizer: ‘sei bem que estou falando para membros de uma sociedade de química que, na sua maioria não são versados nas matemáticas avançadas. O primeiro ponto sobre o qual devo, pois, insistir é o de que, o que concerne imediatamente aos senhores não são exatamente as deduções detalhadas da nova teoria, mas as modificações de ordem global na base mesmo das concepções científicas, que decorrerão de sua aceitação’(A. N. Whitehead, The concept of nature, Cambridge at the University Press, 1964 p. 164)”. (p. 110)
A necessidade de uma definição do objeto da geografia
“As dificuldades para chegar a uma interdisciplinaridade legítima fizeram pensar a muitos que o melhor caminho poderia ser encontrado por uma espécie de trabalho de pesquisa cooperativa. Especialistas de diversas áreas seriam convocados, trazendo consigo sua bagagem metodológica própria, a fim de oferecer as múltiplas contribuições necessárias a que a geografia pudesse trabalhar de forma realmente interdisciplinar. A sugestão, evidentemente, serviria às outras disciplinas, que seriam, igualmente, interdisciplinares”. (p. 110)
“Uma interdisciplinaridade que não leva em conta a multiplicidade de aspectos com os quais se apresenta aos nossos olhos uma mesma realidade, poderia conduzir a construção teórica de uma totalidade cega e confusa, incapaz de permitir uma definição correta de suas partes, e isso agravaria, ainda mais, o problema de sua própria definição como realidade total”. (p. 111)
“Isto supõe que se reconheça um objeto à geografia e que se hajam identificado suas categorias fundamentais. É bem verdade que as categorias mudam de significação com a história, mas elas também são uma base permanente e portantoum guia permanente para teorização. Em nosso caso, trata-se da produção do espaço”. (p. 111)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Geografia Agrária: perspectivas no início do século XXI

No texto Geografia Agrária: perspectivas no início do século XXI, Ariovaldo Umbelino de Oliveira defende inicialmente a necessidade de abrir a discussão sobre as múltiplas dimensões que envolvem as análises sobre o campo, o que significaria mergulhar no debate político, ideológico e teórico. Segundo o autor o debate e o confronto de ideias são função da produção acadêmica e da reflexão intelectual.
Para o autor as alterações recentes na configuração territorial do mundo e do Brasil, especialmente, nas duas últimas décadas do século XX, revelaram que o mundo, assim como o Brasil, transformaram-se. O capitalismo monopolista teria adquirido novos padrões de acumulação o que muitos chamaram de modernidade, pós-modernidade, etc. Viveríamos, portanto, em uma nova etapa da história.
Para Ariovaldo, estamos todos inseridos no turbilhão da modernidade, sendo que alguns engajam-se no establishment, fazendo da ciência instrumento de ascensão social e envolvimento político; e outros, criticam-no, procurando colocar o conhecimento científico a serviço da transformação e da justiça social. No entanto, o importante seria, através do debate, fazer as necessárias reflexões sobre a práxis e dar conta da utopia, para pensá-la como instrumento que contribua com a construção da liberdade, da autonomia e do compromisso social no interior da prática universitária.
Segundo Ariovaldo, a geografia moderna teria nascido no século XIX, sob a égide do debate filosófico entre o positivismo, o historicismo e a dialética. Essas três correntes de pensamento estariam nas raízes do pensamento geográfico moderno. O autor estaria assumindo uma posição crítica em relação a autores que tratam deste período da historia da geografia, classificando-o como Geografia Tradicional. Para Ariovaldo, esta expressão não ajudaria a revelar a matriz historicista da geografia, e não abriria a possibilidade para compreensão do importante debate entre o materialismo e o idealismo nas ciências humanas. Segundo o autor esse debate geografizado, retiraria a discussão do campo da filosofia, remeteria à origem da geografia, exclusivamente ao positivismo, e continuaria desconhecendo a possibilidade de uma terceira raiz do pensamento geográfico influenciada pela dialética.
Para Ariovaldo, o positivismo que teve em Auguste Comte seu principal representante, seria um sistema coerente e operacional que entende que a sociedade seria regida por leis naturais, e por conta disso, poderia ela ser epistemologicamente assimilada pela natureza e ser estudada pelos mesmos métodos das ciências naturais, além do que, as ciências da sociedade, deveriam limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra e livre de julgamentos de valor ou ideologias.
A ideia de uma ciência axiologicamente neutra não seria exclusividade do positivismo, ela apareceria mesmo no historicismo, e até no marxismo. O movimento neopositivista na geografia, representado pelo empirismo lógico, teria mantido praticamente intactos os postulados básicos do positivismo, sobretudo o da objetividade/neutralidade científica. Sendo assim, a história do pensamento geográfico na Geografia Agrária, não teria sido em hipótese alguma diferente da influencia dessa corrente, sobretudo na sua versão atual, a teórico-quantitativista.
O historicismo segundo Ariovaldo, seria uma escola fundada na Alemanha que teve como um de seus principais expoentes, Wilhelm Dilthey. Nascida no interior do idealismo a escola historicista defenderia a autonomia do estatuto científico das ciências humanas, admitindo que todo fenômeno cultural, social e político, é histórico; que existem diferenças fundamentais entre fatos naturais e fatos históricos; e que não somente o objeto da pesquisa está imerso na história, mas também o próprio pesquisador. O historicismo estaria na raiz filosófica daquilo que os geógrafos chamam de possibilismo. Além do que também a discussão sobre região na geografia teria que passar necessariamente pelo historicismo. A história do pensamento na Geografia Agrária também teria sido fortemente influenciada por esta corrente de pensamento.
O autor menciona que ocorre um avanço da fenomenologia na geografia, e que hoje, a maior parte dos trabalhos produzidos em geografia seriam influenciados por esta corrente, e também pelo neo-historicismo, como por exemplo, as pesquisas sobre percepção e modo de vida das populações camponesas.
Segundo Ariovaldo, a dialética como corrente filosófica na geografia seria uma raiz propositadamente esquecida. Nascida no século XIX das obras dos anarquistas Eliseé Reclus e Piotr Kropotkin, contemporâneos de Marx, discutiram profundamente as concepções de Hegel e a transformação da sociedade capitalista. Esse debate seria retomado apenas no final da década de 1930 na França por um grupo de intelectuais franceses, dentre eles Pierre George e Yves Lacoste.
Para Ariovaldo, a dialética teria sido trazida pela influência marxista, e como corrente na Geografia Agrária estaria na base de um conjunto de trabalhos de geógrafos brasileiros como Orlando Valverde e Manuel Correia de Andrade. Essa influência seria marcada por princípios como o condicionamento histórico e social do pensamento. Com o marxismo teria iniciado o desmascaramento do discurso de neutralidade e objetividade presente no positivismo e no empirismo lógico, e mesmo no historicismo. Entretanto, segundo Ariovaldo, na história do marxismo, diferentes autores não escaparam da influência positivista, historicista ou mesmo racionalista, o que teria desenvolvido de um lado um marxismo positivista e de outro um historicista. A Geografia e a Geografia Agrária teriam sido influenciadas por essas concepções.
Segundo Ariovaldo, o estudo da agricultura brasileira tem sido feito por muitos autores que expressam diferentes vertentes do marxismo. Uma primeira vertente inclui aqueles que defendem a ideia de que no Brasil houve feudalismo ou mesmo relações semifeudais de produção, e que por conta disso advogam que seria preciso acabar com essas relações e ampliar o trabalho assalariado no campo. Segundo eles a luta dos camponeses contra o latifúndio exprimiria o avanço da sociedade na extinção do feudalismo, e a luta pela reforma agrária seria um instrumento que faria avançar o capitalismo no campo. Para estes autores o capitalismo estaria penetrando no campo. Dentre os vários autores poderíamos destacar Nelson Werneck Sodré e Orlando Valverde.
Uma segunda vertente defende a tese de que o campo brasileiro já está se desenvolvendo do ponto de vista capitalista, e que os camponeses irão desaparecer. Segundo esta vertente os camponeses ao tentarem produzir para o mercado se endividariam, e acabariam indo a falência tendo de vender suas terras para pagar suas dívidas, ou entregando-as aos bancos, tornando-se proletários. A maior parte dos trabalhos produzidos em geografia agrária teriam por base esta concepção. Dentre os principais pensadores dela estão Marx, Lênin e no Brasil poderíamos destacar José Graziano da Silva e José Eli da Veiga.
Ariovaldo afirma que para essas duas vertentes, na sociedade capitalista avançada não teria lugar histórico para os camponeses no futuro da sociedade. Segundo ele, isso se daria porque esses autores pensam a sociedade capitalista como sendo composta apenas por duas classes sociais, a burguesia e o proletariado, e por contam disso muitos autores e mesmo partidos políticos não assumiriam a defesa dos camponeses. Para Ariovaldo esses autores teriam esquecido uma frase escrita por Marx em O capital, onde o filósofo alemão defende a existência de três classes sociais, a burguesia, o proletariado e os proprietários de terra, onde entrariam os camponeses.
Para Ariovaldo, ou entende-se a questão no interior do processo de desenvolvimento do capitalismo no campo, ou então continuar-se-á a ver muitos autores afirmarem que os camponeses estão desaparecendo. Segundo ele, na realidade, o que ocorre é que esses autores têm uma concepção teórica que deriva de uma concepção ideológica de transformação da sociedade capitalista, o que levaria a uma interpretação equivocada da realidade.
Ariovaldo afirma fazer parte de uma terceira vertente da geografia agrária. Segundo o autor, o estudo da agricultura brasileira deve ser feito levando em conta que o processo de desenvolvimento do capitalismo no território brasileiro é contraditório e combinado, ou seja, que ao mesmo tempo em que avança reproduzindo relações especificamente capitalistas, implantando o assalariamento, como é o caso dos bóias-fria, por outro lado, o capitalismo produz igual e contraditoriamente relações não-capitalistas, como é o caso do trabalho familiar típico das relações camponesas. Entre os pensadores desta vertente podemos destacar Rosa Luxemburgo e José de Souza Martins no Brasil.
Por fim, Ariovaldo enumera um grande número de trabalhos acadêmicos, dissertações e teses, feitas por orientandos seus que segundo ele são fiéis aos princípios de liberdade, autonomia e compromisso social, cada um ao seu modo criando novos recortes no interior dessa já clássica concepção de entender a recriação camponesa em meio ao capitalismo.