sábado, 10 de outubro de 2009

Hidrato de gás: potencial fonte de energia alternativa

Por Fernanda Vasconcelos
02/10/2009

Um estudo desenvolvido pela geógrafa Claudia Xavier Machado, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), traça um panorama das pesquisas nacionais e internacionais sobre o hidrato de gás, composto que desperta interesse tanto pelo potencial como fonte de energia alternativa quanto pelo risco de contribuir com as mudanças climáticas. O trabalho de Machado, atual pesquisadora do Centro de Excelência em Pesquisa Sobre Armazenamento de Carbono (Cepac), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), foi feito sob orientação do professor Luiz Fernando Scheibe, da UFSC, e resultou na dissertação de mestrado A importância do hidrato de gás como fonte de energia alternativa e como possível agente das mudanças climáticas.

Comparado aos demais combustíveis fósseis, o hidrato de gás representa o maior recurso energético do planeta e produz mais energia gerando menos CO2, de acordo com dados reunidos por Machado. O composto é formado por moléculas de gás - o mais frequente é o metano - encapsuladas em uma estrutura de água congelada que pode ser comparada a uma “gaiola”. De aparência semelhante à da água em estado sólido, o composto é chamado de “gelo que queima”, devido à presença do metano.

As reservas de hidrato de gás estão amplamente distribuídas pela Terra. As condições para sua formação ocorrem, principalmente, nos oceanos, a profundidades maiores que 500 metros. A pesquisa mostrou que a formação e a estabilidade do composto dependem de três variáveis: concentração do gás, temperatura e pressão. O hidrato de gás tende a se formar em locais com quantidades suficientes de água e metano, temperatura baixa e pressão elevada.

A viabilidade comercial do composto como fonte de energia deve ser atingida quando o preço do metano do hidrato alcançar o do gás convencional. Segundo prevêem autores pesquisados por Machado, com a queda na produção de petróleo, a demanda por gás natural irá aumentar, tendendo à diminuição da oferta do produto e, consequentemente, ao aumento do preço. Ao mesmo tempo, o custo de produção do metano a partir dos hidratos irá diminuir gradualmente, devido ao desenvolvimento tecnológico. No entanto, Machado afirma que a questão é relativa. “Para países com grandes reservas de petróleo, pode não parecer tão emergencial investir massivamente em pesquisa nessa área, pelo menos por enquanto”, pondera.

“É difícil determinar com certeza o grau de desenvolvimento tecnológico que os países mais avançados na área já atingiram, principalmente, por se tratar de informação estratégica”, afirma Machado. De acordo com seu estudo, no cenário internacional, o principal programa de pesquisas sobre o composto foi criado no Japão, em 1999. O interesse seria devido à preocupação com a segurança energética do país. Já a Coréia do Sul lançou, em 2005, a primeira instituição de pesquisa e desenvolvimento em hidrato de gás e prevê, para 2015, a produção comercial do composto. Índia, Canadá, Estados Unidos, Rússia e China também estão entre os países que investem nas pesquisas sobre o hidrato de gás, tanto em iniciativas locais quanto em parcerias internacionais.

Machado avalia que são escassas as referências de pesquisas brasileiras sobre o composto. “Acredito que a falta de interesse no hidrato de gás, no Brasil, pode ser decorrente da tradição na produção de óleo e gás. Talvez esse fator tenha orientado os investimentos para pesquisas voltadas para a indústria do petróleo, não priorizando a busca e quantificação de ocorrências do hidrato de gás no Brasil e o desenvolvimento da tecnologia necessária para explorá-lo”, afirma. A geógrafa, contudo, cita estudos brasileiros voltados para caracterização, localização e quantificação de ocorrências do hidrato de gás. De acordo com esses trabalhos, a presença do composto já foi confirmada na foz do Amazonas e na bacia de Pelotas (RS). Acredita-se, ainda, que ocorra também nas bacias de Campos (RJ), Espírito Santo e Cumuruxatiba, no sul da Bahia.

Segundo Machado, existe o interesse de uma empresa petrolífera em criar um centro de pesquisas que se torne referência em hidratos de gás no Brasil. Os estudos, inicialmente na bacia de Pelotas, envolveriam, entre outros aspectos, análises voltadas ao uso do metano como recurso energético. No entanto, a geógrafa afirma que ainda não pode fornecer informações mais detalhadas a respeito.

O estudo também aponta que o risco de ocorrerem grandes liberações do metano pela dissociação do hidrato, revertendo seu papel para um “intensificador” do efeito estufa é, possivelmente, um dos grandes desafios envolvidos na sua produção. Machado explica que a própria exploração do metano poderia desencadear a dissociação de grandes quantidades de hidrato de gás. Em consequência, haveria desestabilização do fundo oceânico. “Isso pode causar deslizamentos submarinos, explosões por brusca desgaseificação, formação de tsunami e liberação de metano, aumentando a sua concentração na atmosfera”, completa a geógrafa. Para viabilizar a produção em escala comercial, é necessário o desenvolvimento de tecnologias capazes de evitar esse risco.

A partir das pesquisas levantadas ao longo do estudo, Machado avalia que o hidrato de gás ainda não entrou para a agenda de discussões sobre mudanças climáticas, apesar da sua importância como possível fonte de energia alternativa. O surgimento de novos estudos e publicações, no entanto, indicaria um aumento de interesse pelo assunto, segundo a geógrafa. “Acredito que com o desenvolvimento de novas pesquisas e, principalmente, com o início da produção comercial, o hidrato de gás passe a ser considerado questão de grande importância quando se trata de emissões de gases de efeito estufa”, finaliza.

http://www.comciencia.br/comciencia/?section=3¬icia=561

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