domingo, 17 de julho de 2011

Grécia, entre a raiva e a resistência

Elpida Niku
Desinformémonos

O ano de 2010, na Grécia, foi de incerteza total. Depois de ganhar as eleições em outubro de 2009, o primeiro-ministro George Papandreou anunciou que “sim, havia dinheiro" para a economia grega continuar cumprindo suas obrigações. Uns meses depois decidiu que já não o tinha, e que o país teria que solicitar ajuda econômica ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e para a União Europeia. Durante todo esse tempo, os políticos apareceram nas telas dos meios de comunicação comentando o tema: se havia ou não dinheiro, se a economia entraria ou não em colapso, se havia necessidade de pedir um empréstimo para seguir pagando as dívidas.

A população grega se encontrava aterrorizada. Enquanto os políticos falavam de números incompreensíveis, o povo duvidava o que tudo isso significaria para sua vida diária, sem entender a quem devia e por quê. Até que chegou o momento em que os gregos decidiram se mobilizar. Uma convocatória anônima foi lançada através das redes sociais na internet para que os habitantes saíssem e se reuníssem na praça central de Atenas, chamada Sintagma, onde se localiza o parlamento grego.

Assim, na tarde de 25 de maio, as pessoas começaram a se concentrar em frente ao parlamento do país. Foi impressionante a quantidade de pessoas que chegaram. A partir desse dia, os gregos se reuniram em frente ao parlamento todas as tardes. Aí permaneceram por horas, batendo colheres em panelas, carregando bandeiras gregas e de outros países do mundo, assobiando, gritando consignas espontâneas constantemente, sem parar. A atmosfera era festiva. Não se tratava de queixar-se ou de pedir; tratava-se de manifestar um descontentamento enorme e decisivo. “Sim, nunca mais vão decidir sem nós”. "Aqui estamos e não estamos de acordo". “Não estamos de acordo em viver em uma suposta democracia, em que decidem por nós sem nossa participação”, comentavam as pessoas entre si.

E assim se seguiu a situação por mais de um mês, e o governo se viu obrigado a anunciar uma mudança de gabinete. Ao mesmo tempo, o gabinete estabeleceu a data em que se aprovariam as novas medidas de austeridade, que consistem em um aumento de impostos para a maioria dos gregos, privatizações de empresas estatais e cortes de bem-estar fatais para uma população por si só já pressionada, que sofre com o desemprego e vive um futuro incerto. “Poderíamos suportar muito sofrimento se pudéssemos contar com alguma perspectiva para o futuro”, conta um dos manifestantes. “Mas com essas medidas que querem aprovar não há futuro, nem para nós nem para os nossos filhos”.

A data anunciada para a aprovação foi 29 de junho. A assembleia popular da praça de Sintagma, que acontece todos os dias às nove da noite com a participação do povo, decidiu que estariam presente nas ruas neste dia e no anterior (28/6), pressionando para que tais medidas anti-sociais não fossem aprovadas. Também os sindicatos oficiais, pressionados por sua base, anunciaram greve geral de 48 horas.

O dia 29 de junho amanheceu belo. Dezenas de pessoas juntaram-se em três pontos de encontro que haviam sido escolhidos na assembleia para cercar o parlamento e não deixar os deputados entrarem no edifício. A brutalidade da polícia se fez clara desde a manhã, quando armaram dois bloqueios nas ruas principais para fechar o caminho dos deputados. Os policiais atacaram com força os manifestantes, atirando gás lacrimogênio e batendo com seus cassetetes.

Ao mesmo tempo, o povo se concentrava na praça Sintagma. Nos microfones anunciaram a chegada de ônibus procedentes de diferentes cidades do país com pessoas que vinham para protestar contra a aprovação das medidas. Os gregos entravam na praça carregando seus cartazes, aplaudindo e gritando consignas, e depois concentravam-se em frente ao parlamento. Também a estação de metrô se encontrava lotada de pessoas moradoras dos diferentes bairros da cidade.

Enquanto isso, dentro do parlamento começou o debate sobre as novas medidas. O centro de Atenas estava cheio de pessoas que protestavam pacificamente. Aproximadamente às duas da tarde começou um ataque policial sem precedentes. Com uma quantidade imensa de gases lacrimogêneos, cujo uso só é considerado legal em condições de guerra, as polícias dispersaram o povo que se manifestava. Os cassetetes dos policiais golpearam indiscriminadamente idosos, mulheres e crianças, deixando um saldo de pelo menos 500 feridos. Quebraram pernas e cabeças e provocaram problemas respiratórios na grande maioria dos manifestantes. Inclusive, atiraram gases dentro das estações de metrô do centro da cidade, onde as pessoas buscavam fugir dos gases atirados na praça e onde, também, um grupo de médicos atendia os feridos. Ainda que muitos dos manifestantes já viessem preparados com máscaras e lenços para proteger-se dos gases, a quantidade com que foram atacados superou o que esperava de qualquer um. O centro de Atenas foi cenário de guerra por mais de 12 horas, durante as quais uma nuvem de gás cobriu o céu, que se fez cinza por várias horas.

Enquanto isso, um grupo de jovens irados retiravam o pavimento das ruas próximas e da praça, e jogavam pedras nos policiais. Alguns manifestantes se aproximaram destes jovens e explicavam que aquilo que faziam, longe de ajudar, dava pretextos para a polícia atacar.

Muitos dos jovens escutaram e deixaram de fazê-lo. No entanto, existem vídeos que mostram “manifestantes” vestidos de preto, como esses meninos, deixando as fileiras da polícia ou entrando nelas.

O que se tentou fazer foi provocar medo à população para que esta não saísse às ruas para se manifestar. Mas a repressão brutal provocou o resultado contrário. As pessoas estavam com muita raiva; depois de cada ataque por parte da polícia, regressavam a seu lugar de protesto com mais força que antes. Muitas vezes, os manifestantes ficavam com tanta raiva pelo comportamento dos policiais que se juntavam e, sem mais armas que sua voz, os forçavam a retroceder. A solidariedade entre os participantes foi impressionante. Se alguém não podia respirar ou ver devido os gases lacrimogêneo, sempre se encontrava alguém para ajudar. Havia muitas pessoas dando voltas pelo centro da cidade, levando um líquido que alivia os sintomas produzidos pelos gases e oferecendo ajuda à população. Mãos dispostas a ajudar carregavam as pessoas que não podiam se mover. E cada vez que se ouviam disparo dos gases, as pessoas aplaudiam forte, constantemente, animando umas as outras.

E assim passaram quase três horas, até o momento que começou a correr o rumor de que já haviam aprovado as medidas, com 155 dos 300 deputados votando a favor. "Nós sabíamos que eles iriam votar", comentou uma mulher de 50 anos que estava na rua desde a manhã. "Estamos lutando por uma derrota gloriosa, por nossa dignidade. Nos falam na televisão de crianças que atiraram pedras e não sei mais que coisas. Pois, a verdade, que agora se queimem tudo, já que nada é nosso”.

“Hoje vivemos uma guerra”, comenta uma companheira que descansa por um tempo ao seu lado, já exausta de tantos gases. “Jamais vimos isso antes. De hoje em diante estão em guerra com o povo grego, o senhor presidente já está no lixo da história”.

Depois de muitas horas de repressão, a polícia decidiu terminar de uma vez por todas com o protesto. Um grupo especial de policiais que andava em motos foi colocado nas ruas centrais da cidade. Eram 50 motos de uma vez, avançando a uma velocidade assassina pelas ruas que estavam cheias de gente. Enquanto se moviam atiravam gás lacrimogêneo nas pessoas que estavam em seu caminho para não atropelá-las e batiam forte com os cassetetes. Passaram, inclusive, pelas ruas turísticas da cidade lançando gases em quem estavam comendo em restaurantes e em turistas que passeavam pela cidade.

“Eu os vi passando várias vezes por aqui, debaixo de minha casa, batendo nas pessoas”, conta uma das manifestantes que vive próxima da praça Sintagma. “Aterrorizaram todo o mundo, são uns brutos. Eu já estive um mês na rua, aí na praça e o que estão fazendo é inconcebível. Mas não vamos parar. Não era bom quando ficávamos em nossas casas aguentando tudo que faziam, sem falar”.

Mesmo com a repressão, os gregos não foram embora e continuaram resistindo, regressando constantemente à praça até que, aproximadamente às onze da noite, dezenas de corpos anti-motins cercaram Sintagma, proibindo os presentes de permanecerem em frente ao parlamento. Muita gente ficou em frente às fileiras de policiais por muitas horas, perguntando: "por que não nos deixam passar?”. Nas primeiras horas do dia seguinta, a polícia se retirou e os gregos regressaram à praça; pouco a pouco se limparam as ruas e a praça, se recolheram as pedras, os recipientes dos gases e as tendas destruídas. Se armou um novo acampamento e se preparou a praça para receber as pessoas que hoje, 30 de junho, de novo se juntarão ali.

30 de julho: “Em vez de nos enfraquecer, nos fizeram mais fortes”

No dia seguinte à repressão brutal que a polícia grega desencadeou contra o povo grego, o centro de Atenas se encheu outra vez de gente. Milhares de pessoas saíram novamente às ruas para denunciar o comportamento policial durante o dia 29 de junho. Desta vez, a raiva dos gregos se sentia no ambiente e dava calafrios. Durante horas as pessoas ficaram em pé na frente das fileiras de policiais, que guardavam o parlamento, conversando com eles, insultando-os, pedindo-lhes para renunciar.

Um jovem irado atirou neles, de repente, uma garrafa de água. Alguns dos dos manifestantes pediram que não fizesse isso. Outros o defenderam, dizendo: “Superaram nossos limites, são uns brutos que não entendem nada. Eu não estou encapuzado, tenho dois filhos e o que fizeram ontem é imperdoável, se portaram como cães ferozes”. Por ali havia também um pai, fora de controle, gritando com um policial específico: “eu te conheço, ontem mandou meu filho ao hospital, você é meu vizinho, eu sei onde você mora e a escola onde vão seus filhos”.

“O que seu filho vai dizer amanhã quando perguntarem onde trabalha seu pai? Ele terá que dizer que está matando gente. Como podem dormir à noite?”, lhe gritava outro. Outro companheiro acrescentava: “Ontem nos diziam que agora nós íamos xingar vocês, nós que não temos trabalho e que por isso estamos aqui. Quando vocês ficarem sem trabalho, quem vai estar a seu lado?”.

Na praça já haviam armado de novo as tendas e os espaços dos diferentes postos de trabalho e também se viam pendurados em diferentes partes da praça dezenas de recipientes dos gases lacrimogêneos que foram recolhidos da noite anterior.

Como todas as noites desde 25 de maio, a assembleia popular da praça começou às nove da noite. O assunto de discussão era contra a repressão do Estado e da classe política e pela democracia direta. “O que se passou ontem é a destruição total da democracia, que significa que o povo manda. Todos eles, aí no parlamento, deveriam abrir um dicionário. Mas é que não havia outra maneira de votar as medidas, se não afogassem nossas vozes por umas horas com gases lacrimogêneos. Mas o que não sabiam era que em vez de nos enfraquecer, nos fariam mais fortes”, comentava uma senhora.

Na assembleia se escutaram mensagens de solidariedade vindas da Islândia, Egito e Argentina que davam ânimo para os gregos seguirem resistindo. O clima era festivo. O povo aplaudia uma, outra vez e forte. “Nós, como idiotas, votamos neles até agora, mas agora este movimento é nossa vida, nosso futuro, nós não vamos deixá-lo até que eles se vão”.


Tradução: Aline Scarso

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/6800

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