domingo, 31 de julho de 2011
Democratização ou interesses privados?
Oficialmente, a livre docência no ensino superior do Brasil só pode ser exercida por mestres e doutores, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) vigente. No entanto, um projeto de lei do Senado, que tem Alvaro Dias (PSDB-PR) como relator, pretende dispensar a necessidade de pós-graduação em instituições superiores.
O projeto do senador tucano, de número 220/2010, foi aprovado à francesa na Comissão da Educação do Senado em junho último e deve ser discutido em sessão da Casa nas próximas semanas. Uma vez aprovado, qualquer pessoa com nível superior poderá dar aula em qualquer universidade do país.
No sistema atual, há muitos casos em que a instituição superior tem professores ainda sem mestrado dando aulas. Mas estes casos se enquadram em uma concessão do MEC (Ministério da Educação) até que a instituição se organize para ter profissionais gabaritados, com prazo definido.
A ideia dos idealizadores do projeto 222/2010 é democratizar o ensino superior, com mais gente dando aula em mais faculdades. No entanto, a possível mudança gera preocupação nos meios acadêmicos. A Federação dos Professores do Estado de São Paulo divulgou nota declarando considerar um retrocesso a mudança: “Os empresários do ensino privado, que nunca dormem no ponto, viram na proposta uma grande oportunidade para flexibilizar as regras de contratação em todos os cursos da rede privada. Para tanto, tiveram o apoio do senador Alvaro Dias, relator da proposta na Comissão de Educação. Generoso, o parlamentar manteve a possibilidade de contratar graduados, suprimiu a ‘relevante experiência profissional’ e ainda estendeu a flexibilização para todos os cursos”.
O professor José Roberto Castilho Piqueira, da Escola Politécnica da USP, é incisivamente contrário à proposta do senador tucano. “Muitas vezes algumas universidades particulares mandam o professor embora quando ele faz o mestrado ou o doutorado, porque tem que pagar salários maiores para ele. O espírito desta emenda, na minha opinião, é o ‘tá liberado’. Posso contratar qualquer pessoa com qualquer nível de graduação, mesmo com formação parca, para aumentar meus lucros”, afirma.
Castilho Piqueira também enxerga a possível mudança como anti-democrática. “Existe uma demanda muito forte para os cursos de Engenharia e Tecnologia para as próximas décadas no Brasil. O Estado investe muito dinheiro na qualificação de profissionais através do Capes, Faperj, Unifesp e outras. E, no entanto, quando você permite essa mudança, faz com que os mestres e doutores formados com dinheiro público não devolvam esse conhecimento à sociedade. É um desperdício. Os que querem a mudança vestem uma fantasia de liberais e nos pintam como autoritários, como quem diz que esses caras acham que só título que interessa e nós sabemos reconhecer o trabalho prático. Na prática, isso é balela”, complementa Piqueira.
Já existe uma petição online para pressionar o Senado a votar contra a o projeto de lei 222/10.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/carta-na-escola/democratizacao-ou-interesses-privados
A era do preconceito
Celso Amorim
29 de julho de 2011 às 22:03h
Nesta era da internet a informação é instantânea. A desinformação também. A notícia sobre os trágicos atentados de Oslo chegou-me enquanto eu navegava pelos sites que costumo frequentar para me atualizar sobre o que ocorre no mundo. Pus-me imediatamente em busca dos detalhes. Abri a página de uma respeitada revista internacional. Além de alguns pormenores, obtive também a primeira explicação, que veria em seguida nas versões eletrônicas dos jornais brasileiros, segundo a qual o perpetrador dos atos terríveis era alguém a serviço de um movimento fundamentalista islâmico. Dois dias depois do acontecido, quando ficou claro que, na verdade, se tratava de um extremista de direita que pertenceu a movimentos neonazistas, ainda é possível encontrar, mesmo com ressalvas (porque a internet comete essas “traições”), a mesma interpretação apressada, baseada no preconceito contra muçulmanos.
No caso da revista internacional, a interpretação não se limitou a essa caracterização genérica. Deu “nome e endereço” do facínora, que seria um iraquiano curdo ligado a sunitas fanáticos, vivendo no exílio desde 1991. O articulista foi mais longe. Apontou as possíveis motivações do crime hediondo, que estariam relacionadas com a presença de tropas norueguesas no Afeganistão e com a percepção, por parte dos tais fundamentalistas, da cumplicidade da imprensa norueguesa com caricaturas ofensivas ao Profeta.
Evidentemente, tudo isso era muito plausível, à luz do ocorrido no 11 de Setembro, descartando-se as hipóteses conspiratórias sobre aquele trágico episódio. Mas era igualmente plausível a hipótese, que acabou confirmada, de que se tratasse de outro tipo de fundamentalista, do gênero “supremacista branco”. O alvo do ataque era um governo da esquerda moderada, visto como tolerante em relação a imigrantes e aberto ao diálogo com as mais diversas facções em situações conflituosas, inclusive no Oriente Médio. Para sublinhar a natureza ideológico-religiosa do ato de violência, o terrorista visou também a juventude do partido, pacificamente acampada em uma ilha.
Algo semelhante havia ocorrido seis anos antes do atentado contra as Torres Gêmeas, quando outro fanático havia feito explodir um prédio público na cidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. Daquela feita, o Estado – e tudo o que ele simboliza como limitação ao indivíduo, percebido como independente e antagônico em relação à sociedade – foi o objeto da ira destruidora. Também naquela época, quando a Al-Qaeda ainda não havia ganhado notoriedade, as primeiras análises apontaram para os movimentos islâmicos.
Não ponhamos, porém, a culpa na internet. Ela apenas faz com que visões baseadas em preconceitos, que não deixam de refletir certo tipo de fundamentalismo, se espalhem mais rapidamente, com o risco de gerarem “represálias” contra o suposto inimigo. Felizmente, neste caso, a eficiente ação da polícia norueguesa impediu que isso ocorresse. Mas o risco existe de que, em outras situações, as tragédias se multipliquem, por vezes com o apoio de movimentos marginais inconsequentes, que buscam tirar partido dos eventos, assumindo responsabilidade por algo que não fizeram.
Não é possível ignorar que, no caso da invasão do Iraque, o preconceito, e não apenas a manipulação deliberada (que também existiu), estava por trás de vinculações absurdas, usadas para justificar decisões que causaram centenas de milhares de vítimas (há quem fale em 1 milhão). O suposto elo entre Saddam Hussein e o terrorismo nunca se comprovou, da mesma forma que eram falsas as alegações quanto à posse por Bagdá de armas de destruição em massa. Num primeiro momento, contudo, essas justificativas foram aceitas pela maioria da população norte-americana.
Não sejamos inocentes. Interesses econômicos e políticos, e não apenas preconceitos, motivaram a decisão de atacar o Iraque. Mas o pano de fundo de uma visão particularista do mundo, em que “diferente” se torna sinônimo de “inimigo”, ajuda a criar o caldo de cultura de que se valem os líderes para obter, das populações que governam, o indispensável apoio às suas custosas aventuras bélicas.
A Noruega não corre esse risco. Como disse o primeiro-ministro Stoltenberg, o terrorismo insano não destruirá a democracia do país nórdico, que, ademais, se tem notabilizado por importantes iniciativas em favor da paz. Aliás, é o ódio às pessoas que promovem a paz e o entendimento, além da intolerância e do fanatismo, que está na raiz desse bárbaro atentado. Infelizmente, não só o orgulho, como queria a romancista inglesa, mas também o ódio costuma ser um companheiro inseparável do preconceito.
29 de julho de 2011 às 22:03h
Nesta era da internet a informação é instantânea. A desinformação também. A notícia sobre os trágicos atentados de Oslo chegou-me enquanto eu navegava pelos sites que costumo frequentar para me atualizar sobre o que ocorre no mundo. Pus-me imediatamente em busca dos detalhes. Abri a página de uma respeitada revista internacional. Além de alguns pormenores, obtive também a primeira explicação, que veria em seguida nas versões eletrônicas dos jornais brasileiros, segundo a qual o perpetrador dos atos terríveis era alguém a serviço de um movimento fundamentalista islâmico. Dois dias depois do acontecido, quando ficou claro que, na verdade, se tratava de um extremista de direita que pertenceu a movimentos neonazistas, ainda é possível encontrar, mesmo com ressalvas (porque a internet comete essas “traições”), a mesma interpretação apressada, baseada no preconceito contra muçulmanos.
No caso da revista internacional, a interpretação não se limitou a essa caracterização genérica. Deu “nome e endereço” do facínora, que seria um iraquiano curdo ligado a sunitas fanáticos, vivendo no exílio desde 1991. O articulista foi mais longe. Apontou as possíveis motivações do crime hediondo, que estariam relacionadas com a presença de tropas norueguesas no Afeganistão e com a percepção, por parte dos tais fundamentalistas, da cumplicidade da imprensa norueguesa com caricaturas ofensivas ao Profeta.
Evidentemente, tudo isso era muito plausível, à luz do ocorrido no 11 de Setembro, descartando-se as hipóteses conspiratórias sobre aquele trágico episódio. Mas era igualmente plausível a hipótese, que acabou confirmada, de que se tratasse de outro tipo de fundamentalista, do gênero “supremacista branco”. O alvo do ataque era um governo da esquerda moderada, visto como tolerante em relação a imigrantes e aberto ao diálogo com as mais diversas facções em situações conflituosas, inclusive no Oriente Médio. Para sublinhar a natureza ideológico-religiosa do ato de violência, o terrorista visou também a juventude do partido, pacificamente acampada em uma ilha.
Algo semelhante havia ocorrido seis anos antes do atentado contra as Torres Gêmeas, quando outro fanático havia feito explodir um prédio público na cidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. Daquela feita, o Estado – e tudo o que ele simboliza como limitação ao indivíduo, percebido como independente e antagônico em relação à sociedade – foi o objeto da ira destruidora. Também naquela época, quando a Al-Qaeda ainda não havia ganhado notoriedade, as primeiras análises apontaram para os movimentos islâmicos.
Não ponhamos, porém, a culpa na internet. Ela apenas faz com que visões baseadas em preconceitos, que não deixam de refletir certo tipo de fundamentalismo, se espalhem mais rapidamente, com o risco de gerarem “represálias” contra o suposto inimigo. Felizmente, neste caso, a eficiente ação da polícia norueguesa impediu que isso ocorresse. Mas o risco existe de que, em outras situações, as tragédias se multipliquem, por vezes com o apoio de movimentos marginais inconsequentes, que buscam tirar partido dos eventos, assumindo responsabilidade por algo que não fizeram.
Não é possível ignorar que, no caso da invasão do Iraque, o preconceito, e não apenas a manipulação deliberada (que também existiu), estava por trás de vinculações absurdas, usadas para justificar decisões que causaram centenas de milhares de vítimas (há quem fale em 1 milhão). O suposto elo entre Saddam Hussein e o terrorismo nunca se comprovou, da mesma forma que eram falsas as alegações quanto à posse por Bagdá de armas de destruição em massa. Num primeiro momento, contudo, essas justificativas foram aceitas pela maioria da população norte-americana.
Não sejamos inocentes. Interesses econômicos e políticos, e não apenas preconceitos, motivaram a decisão de atacar o Iraque. Mas o pano de fundo de uma visão particularista do mundo, em que “diferente” se torna sinônimo de “inimigo”, ajuda a criar o caldo de cultura de que se valem os líderes para obter, das populações que governam, o indispensável apoio às suas custosas aventuras bélicas.
A Noruega não corre esse risco. Como disse o primeiro-ministro Stoltenberg, o terrorismo insano não destruirá a democracia do país nórdico, que, ademais, se tem notabilizado por importantes iniciativas em favor da paz. Aliás, é o ódio às pessoas que promovem a paz e o entendimento, além da intolerância e do fanatismo, que está na raiz desse bárbaro atentado. Infelizmente, não só o orgulho, como queria a romancista inglesa, mas também o ódio costuma ser um companheiro inseparável do preconceito.
sábado, 30 de julho de 2011
Pentágono e CIA, íntimos
A estratégia das guerras imperiais dos EUA implica uma colaboração cada vez mais profunda entre a CIA e o Pentágono
29/07/2011
Miguel Urbano Rodrigues
O general David Petraeus despediu-se em Kabul das tropas de ocupação dos EUA com um discurso cauteloso. Vai assumir a direção da CIA.
A cerimônia quase coincidiu com a despedida nos EUA do diretor da CIA, Leon Panetta, transferido para secretário da Defesa.
A mídia estadunidense derramou elogios sobre ambos.
Petraeus é apresentado como um estratego muito dotado, um soldado-intelectual, quase um pensador. Estudou em Princeton, é mestre em Relações Internacionais, lecionou em academias militares e escreveu ensaios e livros de que muitos falam e poucos leram. Em artigos apologéticos chamam-lhe “o pacificador do Iraque”, não obstante a resistência à ocupação estadunidense aumentar a cada mês naquele país.
Leo Panetta foi nomeado para dirigir o Pentágono como prêmio pelo papel que desempenhou como cérebro e coordenador da operação concebida pela CIA para assassinar Bin Laden numa cidade do Paquistão.
Quando Petraeus assumiu o comando no Afeganistão após o afastamento do general Stanley Mc Chrystal – demitido por criticar Obama - fixou dois objetivos principais: ganhar a guerra e criar um exército afegão capaz de “garantir a segurança” no país. Nem um nem outro foram atingidos.
Transcorridos dois anos, as áreas sob controle da Resistência aumentaram e os atentados terroristas são mais frequentes.
Respondendo a Petraeus, o seu substituto, general John Allen, pronunciou um discurso que caiu mal em Washington. Aconselhou civis e militares a não alimentarem ilusões. Esclareceu que “o terrorismo no pais é uma realidade” e o horizonte se apresenta carregado de ameaças e desafios.
Quanto ao exército afegão, a esperança de Petraeus também não se confirmou. A realidade desmentiu as previsões. Até o The New York Times reconhece que os soldados fogem ao combate, as deserções aumentam e a infiltração dos talibãs alastra, atingindo os comandos. O assassinato recente em Kandahar do irmão de Hamid Karzai por um homem da sua confiança comprovou essa evidência.
Nos comentários à ida de Petraeus para a CIA e de Panetta para secretário da Defesa, a mídia de referência estadunidense chama a atenção para o fato de a decisão do presidente Obama tornar transparente a íntima colaboração hoje existente entre a CIA e o Pentágono.
No Afeganistão e no Paquistão a maioria dos bombardeios são agora realizados pelos drones, os aviões sem piloto. A guerra está a assumir um caráter cada vez mais eletrônico. É a CIA a partir dos EUA quem define quase sempre os alvos a atingir. As operações são montadas em computadores, a milhares de quilômetros de distância das aldeias atacadas. O balanço dos “erros” é pesado: centenas de camponeses, mulheres e crianças têm sido abatidos nesses bombardeios criminosos.
Os governos afegão e paquistanês, refletindo a pressão popular, sentem a necessidade de denunciar essas chacinas. Porta-vozes do Exército e da Força Aérea, rotineiramente, lamentam e anunciam a abertura de inquéritos rigorosos. Mas não há notícia de qualquer punição.
O general David Petraeus declarou que pretende aperfeiçoar o sistema. Como? Numa entrevista à Newsweek informou que vai reforçar a contratação de agentes e informadores da CIA em países da Ásia Central.
Entretanto, Obama aproveita todas as oportunidades para afirmar que os EUA vão honrar o compromisso de retirar as suas tropas do Afeganistão até fi nal do próximo ano, transferindo as “suas responsabilidades” para as forças armadas daquele país. Não diz, porém, que os soldados norte-americanos estão a ser substituídos em ritmo acelerado por mercenários recrutados entre a escória social estadunidense e latino-americana.
A nomeação do general Petraeus para diretor da CIA e a de Leon Panetta para secretário da Defesa confirmam o óbvio. A estratégia das guerras imperiais dos EUA implica uma colaboração cada vez mais profunda entre a CIA e o Pentágono. Com a total aprovação do Presidente Barack Obama, Premio Nobel da Paz.
Miguel Urbano Rodrigues é jornalista e escritor português.
Texto originalmente publicado na edição 439 do Brasil de Fato.
29/07/2011
Miguel Urbano Rodrigues
O general David Petraeus despediu-se em Kabul das tropas de ocupação dos EUA com um discurso cauteloso. Vai assumir a direção da CIA.
A cerimônia quase coincidiu com a despedida nos EUA do diretor da CIA, Leon Panetta, transferido para secretário da Defesa.
A mídia estadunidense derramou elogios sobre ambos.
Petraeus é apresentado como um estratego muito dotado, um soldado-intelectual, quase um pensador. Estudou em Princeton, é mestre em Relações Internacionais, lecionou em academias militares e escreveu ensaios e livros de que muitos falam e poucos leram. Em artigos apologéticos chamam-lhe “o pacificador do Iraque”, não obstante a resistência à ocupação estadunidense aumentar a cada mês naquele país.
Leo Panetta foi nomeado para dirigir o Pentágono como prêmio pelo papel que desempenhou como cérebro e coordenador da operação concebida pela CIA para assassinar Bin Laden numa cidade do Paquistão.
Quando Petraeus assumiu o comando no Afeganistão após o afastamento do general Stanley Mc Chrystal – demitido por criticar Obama - fixou dois objetivos principais: ganhar a guerra e criar um exército afegão capaz de “garantir a segurança” no país. Nem um nem outro foram atingidos.
Transcorridos dois anos, as áreas sob controle da Resistência aumentaram e os atentados terroristas são mais frequentes.
Respondendo a Petraeus, o seu substituto, general John Allen, pronunciou um discurso que caiu mal em Washington. Aconselhou civis e militares a não alimentarem ilusões. Esclareceu que “o terrorismo no pais é uma realidade” e o horizonte se apresenta carregado de ameaças e desafios.
Quanto ao exército afegão, a esperança de Petraeus também não se confirmou. A realidade desmentiu as previsões. Até o The New York Times reconhece que os soldados fogem ao combate, as deserções aumentam e a infiltração dos talibãs alastra, atingindo os comandos. O assassinato recente em Kandahar do irmão de Hamid Karzai por um homem da sua confiança comprovou essa evidência.
Nos comentários à ida de Petraeus para a CIA e de Panetta para secretário da Defesa, a mídia de referência estadunidense chama a atenção para o fato de a decisão do presidente Obama tornar transparente a íntima colaboração hoje existente entre a CIA e o Pentágono.
No Afeganistão e no Paquistão a maioria dos bombardeios são agora realizados pelos drones, os aviões sem piloto. A guerra está a assumir um caráter cada vez mais eletrônico. É a CIA a partir dos EUA quem define quase sempre os alvos a atingir. As operações são montadas em computadores, a milhares de quilômetros de distância das aldeias atacadas. O balanço dos “erros” é pesado: centenas de camponeses, mulheres e crianças têm sido abatidos nesses bombardeios criminosos.
Os governos afegão e paquistanês, refletindo a pressão popular, sentem a necessidade de denunciar essas chacinas. Porta-vozes do Exército e da Força Aérea, rotineiramente, lamentam e anunciam a abertura de inquéritos rigorosos. Mas não há notícia de qualquer punição.
O general David Petraeus declarou que pretende aperfeiçoar o sistema. Como? Numa entrevista à Newsweek informou que vai reforçar a contratação de agentes e informadores da CIA em países da Ásia Central.
Entretanto, Obama aproveita todas as oportunidades para afirmar que os EUA vão honrar o compromisso de retirar as suas tropas do Afeganistão até fi nal do próximo ano, transferindo as “suas responsabilidades” para as forças armadas daquele país. Não diz, porém, que os soldados norte-americanos estão a ser substituídos em ritmo acelerado por mercenários recrutados entre a escória social estadunidense e latino-americana.
A nomeação do general Petraeus para diretor da CIA e a de Leon Panetta para secretário da Defesa confirmam o óbvio. A estratégia das guerras imperiais dos EUA implica uma colaboração cada vez mais profunda entre a CIA e o Pentágono. Com a total aprovação do Presidente Barack Obama, Premio Nobel da Paz.
Miguel Urbano Rodrigues é jornalista e escritor português.
Texto originalmente publicado na edição 439 do Brasil de Fato.
domingo, 17 de julho de 2011
Motivos econômicos pelo transporte público gratuito
João Alexandre Peschanski
A criação de um sistema de transporte público gratuito universal no capitalismo soa como uma fantasia inatingível. Tal sistema, à primeira vista, seria economicamente ineficiente, na medida em que oneraria demais o Estado.
Mas, do ponto de vista econômico, criar um sistema de transporte público gratuito é vantajoso para o Estado. Uma sociedade que depende de automóveis individuais como meio de transporte principal tem custos sociais e ecológicos elevados. É preciso levar em conta esses custos no cálculo da eficiência de qualquer sistema de transporte.
Uma sociedade dependente de automóveis individuais tem altos níveis de poluição -- muito mais do que teria se o principal meio de transporte fosse coletivo. A contaminação do ar leva a doenças respiratórias e, consequentemente, gastos médicos, para o cidadão e o Estado. Na medida em que tais doenças respiratórias incapacitam os membros de uma sociedade levam a uma possível desaceleração econômica -- trabalhadores sem saúde não produzem no mesmo nível do que trabalhadores com saúde. Há outros gastos relacionados ao uso do automóvel em massa, como a manutenção de uma rede de fiscais de trânsito, fundamental para organizar cidades com tráfego intenso, e o tempo -- produtivo -- perdido em engarrafamentos. Quem paga a conta pelo trânsito são, de novo, o cidadão e o Estado.
As montadoras conseguem vender a preços mais baratos os automóveis que produzem porque repassam ao cidadão e ao Estado os custos sociais do sistema de transporte que patrocinam. Nos primeiros meses de 2011, o aumento na venda de automóveis chegou a 8% em comparação com o ano anterior. As montadoras exigem do governo redução de impostos e mais facilidade no crédito para compradores, isto é, querem se livrar ainda mais dos custos sociais relacionados a seus carros. Mas o imposto deveria aumentar, não diminuir.
O imposto deveria aumentar sobre as montadoras que lucram com a produção de um bem com alto custo social, como acontece com outros produtos nocivos (cigarro, bebida). Mas também deveria aumentar, paulatinamente, sobre o consumidor, à medida que se consolide um sistema de transporte coletivo funcional. Numa sociedade onde o transporte público é bom, um cidadão pode querer ou precisar de um carro, por conforto ou por qualquer outro motivo, mas como sua decisão tem repercussões sociais -- o custo social relacionado ao uso do automóvel -- cabe também a ele pagar por isso.
Até agora, a argumentação nos levou à necessidade social de substituir o uso em massa dos automóveis pelo transporte público, mas por que este teria de ser gratuito? Por justiça econômica. Os usuários de transporte público beneficiam toda a sociedade, pois mantêm baixos os custos sociais relacionados ao transporte (poluição, trânsito). Beneficiam até mesmo as pessoas que não usam o transporte público. Cobrar tarifas pelo uso do transporte público é, então, uma injustiça econômica: por mais que o serviço beneficie a todos, só uma parcela dos beneficiados paga por ele. De certo modo, cobrar pelo transporte público se torna uma exploração dos usuários pelos não-usuários. Os gastos do sistema de transporte coletivo têm de ser partilhados pelos beneficiados, ou seja, divididos entre todos os cidadãos.
A gratuidade do transporte público pode ser defendida por dois outros aspectos econômicos. Por um lado, cobranças de tarifas envolvem custos de operação e fiscalização; um sistema de transporte público gratuito os elimina. Por outro lado, a gratuidade funciona como um incentivo aos cidadãos para que usem meios públicos de locomoção, aumentando os benefícios sociais.
Um sistema de transporte público gratuito é eficiente, do ponto de vista econômico, e compatível em teoria com uma sociedade capitalista. Os obstáculos à criação desse sistema não são de ordem econômica, mas política. As montadoras têm, evidentemente, interesse em manter a sociedade dependente dos carros que fabricam. Para garantir seus lucros, precisam manter essa dependência e investem para pressionar os governos local e federal a manter seu controle sobre o sistema de transporte. No Brasil, têm alta capacidade de pressão, pois contam com políticos aliados com posições-chave, na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, e potencial de chantagem sobre o governo, ameaçando demitir trabalhadores se seus interesses não forem atendidos.
A reivindicação por transporte público gratuito é, portanto, realista e justa. Organiza-se no Brasil, principalmente, pelo Movimento Passe Livre, criado em 2005, que mobiliza jovens e trabalhadores de baixa renda em diversas capitais sob a bandeira da tarifa zero. Enfrenta, nas ruas, uma visão atrasada e ineficiente da vida em sociedade. E tem a lógica econômica de seu lado.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/6845
A criação de um sistema de transporte público gratuito universal no capitalismo soa como uma fantasia inatingível. Tal sistema, à primeira vista, seria economicamente ineficiente, na medida em que oneraria demais o Estado.
Mas, do ponto de vista econômico, criar um sistema de transporte público gratuito é vantajoso para o Estado. Uma sociedade que depende de automóveis individuais como meio de transporte principal tem custos sociais e ecológicos elevados. É preciso levar em conta esses custos no cálculo da eficiência de qualquer sistema de transporte.
Uma sociedade dependente de automóveis individuais tem altos níveis de poluição -- muito mais do que teria se o principal meio de transporte fosse coletivo. A contaminação do ar leva a doenças respiratórias e, consequentemente, gastos médicos, para o cidadão e o Estado. Na medida em que tais doenças respiratórias incapacitam os membros de uma sociedade levam a uma possível desaceleração econômica -- trabalhadores sem saúde não produzem no mesmo nível do que trabalhadores com saúde. Há outros gastos relacionados ao uso do automóvel em massa, como a manutenção de uma rede de fiscais de trânsito, fundamental para organizar cidades com tráfego intenso, e o tempo -- produtivo -- perdido em engarrafamentos. Quem paga a conta pelo trânsito são, de novo, o cidadão e o Estado.
As montadoras conseguem vender a preços mais baratos os automóveis que produzem porque repassam ao cidadão e ao Estado os custos sociais do sistema de transporte que patrocinam. Nos primeiros meses de 2011, o aumento na venda de automóveis chegou a 8% em comparação com o ano anterior. As montadoras exigem do governo redução de impostos e mais facilidade no crédito para compradores, isto é, querem se livrar ainda mais dos custos sociais relacionados a seus carros. Mas o imposto deveria aumentar, não diminuir.
O imposto deveria aumentar sobre as montadoras que lucram com a produção de um bem com alto custo social, como acontece com outros produtos nocivos (cigarro, bebida). Mas também deveria aumentar, paulatinamente, sobre o consumidor, à medida que se consolide um sistema de transporte coletivo funcional. Numa sociedade onde o transporte público é bom, um cidadão pode querer ou precisar de um carro, por conforto ou por qualquer outro motivo, mas como sua decisão tem repercussões sociais -- o custo social relacionado ao uso do automóvel -- cabe também a ele pagar por isso.
Até agora, a argumentação nos levou à necessidade social de substituir o uso em massa dos automóveis pelo transporte público, mas por que este teria de ser gratuito? Por justiça econômica. Os usuários de transporte público beneficiam toda a sociedade, pois mantêm baixos os custos sociais relacionados ao transporte (poluição, trânsito). Beneficiam até mesmo as pessoas que não usam o transporte público. Cobrar tarifas pelo uso do transporte público é, então, uma injustiça econômica: por mais que o serviço beneficie a todos, só uma parcela dos beneficiados paga por ele. De certo modo, cobrar pelo transporte público se torna uma exploração dos usuários pelos não-usuários. Os gastos do sistema de transporte coletivo têm de ser partilhados pelos beneficiados, ou seja, divididos entre todos os cidadãos.
A gratuidade do transporte público pode ser defendida por dois outros aspectos econômicos. Por um lado, cobranças de tarifas envolvem custos de operação e fiscalização; um sistema de transporte público gratuito os elimina. Por outro lado, a gratuidade funciona como um incentivo aos cidadãos para que usem meios públicos de locomoção, aumentando os benefícios sociais.
Um sistema de transporte público gratuito é eficiente, do ponto de vista econômico, e compatível em teoria com uma sociedade capitalista. Os obstáculos à criação desse sistema não são de ordem econômica, mas política. As montadoras têm, evidentemente, interesse em manter a sociedade dependente dos carros que fabricam. Para garantir seus lucros, precisam manter essa dependência e investem para pressionar os governos local e federal a manter seu controle sobre o sistema de transporte. No Brasil, têm alta capacidade de pressão, pois contam com políticos aliados com posições-chave, na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, e potencial de chantagem sobre o governo, ameaçando demitir trabalhadores se seus interesses não forem atendidos.
A reivindicação por transporte público gratuito é, portanto, realista e justa. Organiza-se no Brasil, principalmente, pelo Movimento Passe Livre, criado em 2005, que mobiliza jovens e trabalhadores de baixa renda em diversas capitais sob a bandeira da tarifa zero. Enfrenta, nas ruas, uma visão atrasada e ineficiente da vida em sociedade. E tem a lógica econômica de seu lado.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/6845
Grécia, entre a raiva e a resistência
Elpida Niku
Desinformémonos
O ano de 2010, na Grécia, foi de incerteza total. Depois de ganhar as eleições em outubro de 2009, o primeiro-ministro George Papandreou anunciou que “sim, havia dinheiro" para a economia grega continuar cumprindo suas obrigações. Uns meses depois decidiu que já não o tinha, e que o país teria que solicitar ajuda econômica ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e para a União Europeia. Durante todo esse tempo, os políticos apareceram nas telas dos meios de comunicação comentando o tema: se havia ou não dinheiro, se a economia entraria ou não em colapso, se havia necessidade de pedir um empréstimo para seguir pagando as dívidas.
A população grega se encontrava aterrorizada. Enquanto os políticos falavam de números incompreensíveis, o povo duvidava o que tudo isso significaria para sua vida diária, sem entender a quem devia e por quê. Até que chegou o momento em que os gregos decidiram se mobilizar. Uma convocatória anônima foi lançada através das redes sociais na internet para que os habitantes saíssem e se reuníssem na praça central de Atenas, chamada Sintagma, onde se localiza o parlamento grego.
Assim, na tarde de 25 de maio, as pessoas começaram a se concentrar em frente ao parlamento do país. Foi impressionante a quantidade de pessoas que chegaram. A partir desse dia, os gregos se reuniram em frente ao parlamento todas as tardes. Aí permaneceram por horas, batendo colheres em panelas, carregando bandeiras gregas e de outros países do mundo, assobiando, gritando consignas espontâneas constantemente, sem parar. A atmosfera era festiva. Não se tratava de queixar-se ou de pedir; tratava-se de manifestar um descontentamento enorme e decisivo. “Sim, nunca mais vão decidir sem nós”. "Aqui estamos e não estamos de acordo". “Não estamos de acordo em viver em uma suposta democracia, em que decidem por nós sem nossa participação”, comentavam as pessoas entre si.
E assim se seguiu a situação por mais de um mês, e o governo se viu obrigado a anunciar uma mudança de gabinete. Ao mesmo tempo, o gabinete estabeleceu a data em que se aprovariam as novas medidas de austeridade, que consistem em um aumento de impostos para a maioria dos gregos, privatizações de empresas estatais e cortes de bem-estar fatais para uma população por si só já pressionada, que sofre com o desemprego e vive um futuro incerto. “Poderíamos suportar muito sofrimento se pudéssemos contar com alguma perspectiva para o futuro”, conta um dos manifestantes. “Mas com essas medidas que querem aprovar não há futuro, nem para nós nem para os nossos filhos”.
A data anunciada para a aprovação foi 29 de junho. A assembleia popular da praça de Sintagma, que acontece todos os dias às nove da noite com a participação do povo, decidiu que estariam presente nas ruas neste dia e no anterior (28/6), pressionando para que tais medidas anti-sociais não fossem aprovadas. Também os sindicatos oficiais, pressionados por sua base, anunciaram greve geral de 48 horas.
O dia 29 de junho amanheceu belo. Dezenas de pessoas juntaram-se em três pontos de encontro que haviam sido escolhidos na assembleia para cercar o parlamento e não deixar os deputados entrarem no edifício. A brutalidade da polícia se fez clara desde a manhã, quando armaram dois bloqueios nas ruas principais para fechar o caminho dos deputados. Os policiais atacaram com força os manifestantes, atirando gás lacrimogênio e batendo com seus cassetetes.
Ao mesmo tempo, o povo se concentrava na praça Sintagma. Nos microfones anunciaram a chegada de ônibus procedentes de diferentes cidades do país com pessoas que vinham para protestar contra a aprovação das medidas. Os gregos entravam na praça carregando seus cartazes, aplaudindo e gritando consignas, e depois concentravam-se em frente ao parlamento. Também a estação de metrô se encontrava lotada de pessoas moradoras dos diferentes bairros da cidade.
Enquanto isso, dentro do parlamento começou o debate sobre as novas medidas. O centro de Atenas estava cheio de pessoas que protestavam pacificamente. Aproximadamente às duas da tarde começou um ataque policial sem precedentes. Com uma quantidade imensa de gases lacrimogêneos, cujo uso só é considerado legal em condições de guerra, as polícias dispersaram o povo que se manifestava. Os cassetetes dos policiais golpearam indiscriminadamente idosos, mulheres e crianças, deixando um saldo de pelo menos 500 feridos. Quebraram pernas e cabeças e provocaram problemas respiratórios na grande maioria dos manifestantes. Inclusive, atiraram gases dentro das estações de metrô do centro da cidade, onde as pessoas buscavam fugir dos gases atirados na praça e onde, também, um grupo de médicos atendia os feridos. Ainda que muitos dos manifestantes já viessem preparados com máscaras e lenços para proteger-se dos gases, a quantidade com que foram atacados superou o que esperava de qualquer um. O centro de Atenas foi cenário de guerra por mais de 12 horas, durante as quais uma nuvem de gás cobriu o céu, que se fez cinza por várias horas.
Enquanto isso, um grupo de jovens irados retiravam o pavimento das ruas próximas e da praça, e jogavam pedras nos policiais. Alguns manifestantes se aproximaram destes jovens e explicavam que aquilo que faziam, longe de ajudar, dava pretextos para a polícia atacar.
Muitos dos jovens escutaram e deixaram de fazê-lo. No entanto, existem vídeos que mostram “manifestantes” vestidos de preto, como esses meninos, deixando as fileiras da polícia ou entrando nelas.
O que se tentou fazer foi provocar medo à população para que esta não saísse às ruas para se manifestar. Mas a repressão brutal provocou o resultado contrário. As pessoas estavam com muita raiva; depois de cada ataque por parte da polícia, regressavam a seu lugar de protesto com mais força que antes. Muitas vezes, os manifestantes ficavam com tanta raiva pelo comportamento dos policiais que se juntavam e, sem mais armas que sua voz, os forçavam a retroceder. A solidariedade entre os participantes foi impressionante. Se alguém não podia respirar ou ver devido os gases lacrimogêneo, sempre se encontrava alguém para ajudar. Havia muitas pessoas dando voltas pelo centro da cidade, levando um líquido que alivia os sintomas produzidos pelos gases e oferecendo ajuda à população. Mãos dispostas a ajudar carregavam as pessoas que não podiam se mover. E cada vez que se ouviam disparo dos gases, as pessoas aplaudiam forte, constantemente, animando umas as outras.
E assim passaram quase três horas, até o momento que começou a correr o rumor de que já haviam aprovado as medidas, com 155 dos 300 deputados votando a favor. "Nós sabíamos que eles iriam votar", comentou uma mulher de 50 anos que estava na rua desde a manhã. "Estamos lutando por uma derrota gloriosa, por nossa dignidade. Nos falam na televisão de crianças que atiraram pedras e não sei mais que coisas. Pois, a verdade, que agora se queimem tudo, já que nada é nosso”.
“Hoje vivemos uma guerra”, comenta uma companheira que descansa por um tempo ao seu lado, já exausta de tantos gases. “Jamais vimos isso antes. De hoje em diante estão em guerra com o povo grego, o senhor presidente já está no lixo da história”.
Depois de muitas horas de repressão, a polícia decidiu terminar de uma vez por todas com o protesto. Um grupo especial de policiais que andava em motos foi colocado nas ruas centrais da cidade. Eram 50 motos de uma vez, avançando a uma velocidade assassina pelas ruas que estavam cheias de gente. Enquanto se moviam atiravam gás lacrimogêneo nas pessoas que estavam em seu caminho para não atropelá-las e batiam forte com os cassetetes. Passaram, inclusive, pelas ruas turísticas da cidade lançando gases em quem estavam comendo em restaurantes e em turistas que passeavam pela cidade.
“Eu os vi passando várias vezes por aqui, debaixo de minha casa, batendo nas pessoas”, conta uma das manifestantes que vive próxima da praça Sintagma. “Aterrorizaram todo o mundo, são uns brutos. Eu já estive um mês na rua, aí na praça e o que estão fazendo é inconcebível. Mas não vamos parar. Não era bom quando ficávamos em nossas casas aguentando tudo que faziam, sem falar”.
Mesmo com a repressão, os gregos não foram embora e continuaram resistindo, regressando constantemente à praça até que, aproximadamente às onze da noite, dezenas de corpos anti-motins cercaram Sintagma, proibindo os presentes de permanecerem em frente ao parlamento. Muita gente ficou em frente às fileiras de policiais por muitas horas, perguntando: "por que não nos deixam passar?”. Nas primeiras horas do dia seguinta, a polícia se retirou e os gregos regressaram à praça; pouco a pouco se limparam as ruas e a praça, se recolheram as pedras, os recipientes dos gases e as tendas destruídas. Se armou um novo acampamento e se preparou a praça para receber as pessoas que hoje, 30 de junho, de novo se juntarão ali.
30 de julho: “Em vez de nos enfraquecer, nos fizeram mais fortes”
No dia seguinte à repressão brutal que a polícia grega desencadeou contra o povo grego, o centro de Atenas se encheu outra vez de gente. Milhares de pessoas saíram novamente às ruas para denunciar o comportamento policial durante o dia 29 de junho. Desta vez, a raiva dos gregos se sentia no ambiente e dava calafrios. Durante horas as pessoas ficaram em pé na frente das fileiras de policiais, que guardavam o parlamento, conversando com eles, insultando-os, pedindo-lhes para renunciar.
Um jovem irado atirou neles, de repente, uma garrafa de água. Alguns dos dos manifestantes pediram que não fizesse isso. Outros o defenderam, dizendo: “Superaram nossos limites, são uns brutos que não entendem nada. Eu não estou encapuzado, tenho dois filhos e o que fizeram ontem é imperdoável, se portaram como cães ferozes”. Por ali havia também um pai, fora de controle, gritando com um policial específico: “eu te conheço, ontem mandou meu filho ao hospital, você é meu vizinho, eu sei onde você mora e a escola onde vão seus filhos”.
“O que seu filho vai dizer amanhã quando perguntarem onde trabalha seu pai? Ele terá que dizer que está matando gente. Como podem dormir à noite?”, lhe gritava outro. Outro companheiro acrescentava: “Ontem nos diziam que agora nós íamos xingar vocês, nós que não temos trabalho e que por isso estamos aqui. Quando vocês ficarem sem trabalho, quem vai estar a seu lado?”.
Na praça já haviam armado de novo as tendas e os espaços dos diferentes postos de trabalho e também se viam pendurados em diferentes partes da praça dezenas de recipientes dos gases lacrimogêneos que foram recolhidos da noite anterior.
Como todas as noites desde 25 de maio, a assembleia popular da praça começou às nove da noite. O assunto de discussão era contra a repressão do Estado e da classe política e pela democracia direta. “O que se passou ontem é a destruição total da democracia, que significa que o povo manda. Todos eles, aí no parlamento, deveriam abrir um dicionário. Mas é que não havia outra maneira de votar as medidas, se não afogassem nossas vozes por umas horas com gases lacrimogêneos. Mas o que não sabiam era que em vez de nos enfraquecer, nos fariam mais fortes”, comentava uma senhora.
Na assembleia se escutaram mensagens de solidariedade vindas da Islândia, Egito e Argentina que davam ânimo para os gregos seguirem resistindo. O clima era festivo. O povo aplaudia uma, outra vez e forte. “Nós, como idiotas, votamos neles até agora, mas agora este movimento é nossa vida, nosso futuro, nós não vamos deixá-lo até que eles se vão”.
Tradução: Aline Scarso
FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/6800
Desinformémonos
O ano de 2010, na Grécia, foi de incerteza total. Depois de ganhar as eleições em outubro de 2009, o primeiro-ministro George Papandreou anunciou que “sim, havia dinheiro" para a economia grega continuar cumprindo suas obrigações. Uns meses depois decidiu que já não o tinha, e que o país teria que solicitar ajuda econômica ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e para a União Europeia. Durante todo esse tempo, os políticos apareceram nas telas dos meios de comunicação comentando o tema: se havia ou não dinheiro, se a economia entraria ou não em colapso, se havia necessidade de pedir um empréstimo para seguir pagando as dívidas.
A população grega se encontrava aterrorizada. Enquanto os políticos falavam de números incompreensíveis, o povo duvidava o que tudo isso significaria para sua vida diária, sem entender a quem devia e por quê. Até que chegou o momento em que os gregos decidiram se mobilizar. Uma convocatória anônima foi lançada através das redes sociais na internet para que os habitantes saíssem e se reuníssem na praça central de Atenas, chamada Sintagma, onde se localiza o parlamento grego.
Assim, na tarde de 25 de maio, as pessoas começaram a se concentrar em frente ao parlamento do país. Foi impressionante a quantidade de pessoas que chegaram. A partir desse dia, os gregos se reuniram em frente ao parlamento todas as tardes. Aí permaneceram por horas, batendo colheres em panelas, carregando bandeiras gregas e de outros países do mundo, assobiando, gritando consignas espontâneas constantemente, sem parar. A atmosfera era festiva. Não se tratava de queixar-se ou de pedir; tratava-se de manifestar um descontentamento enorme e decisivo. “Sim, nunca mais vão decidir sem nós”. "Aqui estamos e não estamos de acordo". “Não estamos de acordo em viver em uma suposta democracia, em que decidem por nós sem nossa participação”, comentavam as pessoas entre si.
E assim se seguiu a situação por mais de um mês, e o governo se viu obrigado a anunciar uma mudança de gabinete. Ao mesmo tempo, o gabinete estabeleceu a data em que se aprovariam as novas medidas de austeridade, que consistem em um aumento de impostos para a maioria dos gregos, privatizações de empresas estatais e cortes de bem-estar fatais para uma população por si só já pressionada, que sofre com o desemprego e vive um futuro incerto. “Poderíamos suportar muito sofrimento se pudéssemos contar com alguma perspectiva para o futuro”, conta um dos manifestantes. “Mas com essas medidas que querem aprovar não há futuro, nem para nós nem para os nossos filhos”.
A data anunciada para a aprovação foi 29 de junho. A assembleia popular da praça de Sintagma, que acontece todos os dias às nove da noite com a participação do povo, decidiu que estariam presente nas ruas neste dia e no anterior (28/6), pressionando para que tais medidas anti-sociais não fossem aprovadas. Também os sindicatos oficiais, pressionados por sua base, anunciaram greve geral de 48 horas.
O dia 29 de junho amanheceu belo. Dezenas de pessoas juntaram-se em três pontos de encontro que haviam sido escolhidos na assembleia para cercar o parlamento e não deixar os deputados entrarem no edifício. A brutalidade da polícia se fez clara desde a manhã, quando armaram dois bloqueios nas ruas principais para fechar o caminho dos deputados. Os policiais atacaram com força os manifestantes, atirando gás lacrimogênio e batendo com seus cassetetes.
Ao mesmo tempo, o povo se concentrava na praça Sintagma. Nos microfones anunciaram a chegada de ônibus procedentes de diferentes cidades do país com pessoas que vinham para protestar contra a aprovação das medidas. Os gregos entravam na praça carregando seus cartazes, aplaudindo e gritando consignas, e depois concentravam-se em frente ao parlamento. Também a estação de metrô se encontrava lotada de pessoas moradoras dos diferentes bairros da cidade.
Enquanto isso, dentro do parlamento começou o debate sobre as novas medidas. O centro de Atenas estava cheio de pessoas que protestavam pacificamente. Aproximadamente às duas da tarde começou um ataque policial sem precedentes. Com uma quantidade imensa de gases lacrimogêneos, cujo uso só é considerado legal em condições de guerra, as polícias dispersaram o povo que se manifestava. Os cassetetes dos policiais golpearam indiscriminadamente idosos, mulheres e crianças, deixando um saldo de pelo menos 500 feridos. Quebraram pernas e cabeças e provocaram problemas respiratórios na grande maioria dos manifestantes. Inclusive, atiraram gases dentro das estações de metrô do centro da cidade, onde as pessoas buscavam fugir dos gases atirados na praça e onde, também, um grupo de médicos atendia os feridos. Ainda que muitos dos manifestantes já viessem preparados com máscaras e lenços para proteger-se dos gases, a quantidade com que foram atacados superou o que esperava de qualquer um. O centro de Atenas foi cenário de guerra por mais de 12 horas, durante as quais uma nuvem de gás cobriu o céu, que se fez cinza por várias horas.
Enquanto isso, um grupo de jovens irados retiravam o pavimento das ruas próximas e da praça, e jogavam pedras nos policiais. Alguns manifestantes se aproximaram destes jovens e explicavam que aquilo que faziam, longe de ajudar, dava pretextos para a polícia atacar.
Muitos dos jovens escutaram e deixaram de fazê-lo. No entanto, existem vídeos que mostram “manifestantes” vestidos de preto, como esses meninos, deixando as fileiras da polícia ou entrando nelas.
O que se tentou fazer foi provocar medo à população para que esta não saísse às ruas para se manifestar. Mas a repressão brutal provocou o resultado contrário. As pessoas estavam com muita raiva; depois de cada ataque por parte da polícia, regressavam a seu lugar de protesto com mais força que antes. Muitas vezes, os manifestantes ficavam com tanta raiva pelo comportamento dos policiais que se juntavam e, sem mais armas que sua voz, os forçavam a retroceder. A solidariedade entre os participantes foi impressionante. Se alguém não podia respirar ou ver devido os gases lacrimogêneo, sempre se encontrava alguém para ajudar. Havia muitas pessoas dando voltas pelo centro da cidade, levando um líquido que alivia os sintomas produzidos pelos gases e oferecendo ajuda à população. Mãos dispostas a ajudar carregavam as pessoas que não podiam se mover. E cada vez que se ouviam disparo dos gases, as pessoas aplaudiam forte, constantemente, animando umas as outras.
E assim passaram quase três horas, até o momento que começou a correr o rumor de que já haviam aprovado as medidas, com 155 dos 300 deputados votando a favor. "Nós sabíamos que eles iriam votar", comentou uma mulher de 50 anos que estava na rua desde a manhã. "Estamos lutando por uma derrota gloriosa, por nossa dignidade. Nos falam na televisão de crianças que atiraram pedras e não sei mais que coisas. Pois, a verdade, que agora se queimem tudo, já que nada é nosso”.
“Hoje vivemos uma guerra”, comenta uma companheira que descansa por um tempo ao seu lado, já exausta de tantos gases. “Jamais vimos isso antes. De hoje em diante estão em guerra com o povo grego, o senhor presidente já está no lixo da história”.
Depois de muitas horas de repressão, a polícia decidiu terminar de uma vez por todas com o protesto. Um grupo especial de policiais que andava em motos foi colocado nas ruas centrais da cidade. Eram 50 motos de uma vez, avançando a uma velocidade assassina pelas ruas que estavam cheias de gente. Enquanto se moviam atiravam gás lacrimogêneo nas pessoas que estavam em seu caminho para não atropelá-las e batiam forte com os cassetetes. Passaram, inclusive, pelas ruas turísticas da cidade lançando gases em quem estavam comendo em restaurantes e em turistas que passeavam pela cidade.
“Eu os vi passando várias vezes por aqui, debaixo de minha casa, batendo nas pessoas”, conta uma das manifestantes que vive próxima da praça Sintagma. “Aterrorizaram todo o mundo, são uns brutos. Eu já estive um mês na rua, aí na praça e o que estão fazendo é inconcebível. Mas não vamos parar. Não era bom quando ficávamos em nossas casas aguentando tudo que faziam, sem falar”.
Mesmo com a repressão, os gregos não foram embora e continuaram resistindo, regressando constantemente à praça até que, aproximadamente às onze da noite, dezenas de corpos anti-motins cercaram Sintagma, proibindo os presentes de permanecerem em frente ao parlamento. Muita gente ficou em frente às fileiras de policiais por muitas horas, perguntando: "por que não nos deixam passar?”. Nas primeiras horas do dia seguinta, a polícia se retirou e os gregos regressaram à praça; pouco a pouco se limparam as ruas e a praça, se recolheram as pedras, os recipientes dos gases e as tendas destruídas. Se armou um novo acampamento e se preparou a praça para receber as pessoas que hoje, 30 de junho, de novo se juntarão ali.
30 de julho: “Em vez de nos enfraquecer, nos fizeram mais fortes”
No dia seguinte à repressão brutal que a polícia grega desencadeou contra o povo grego, o centro de Atenas se encheu outra vez de gente. Milhares de pessoas saíram novamente às ruas para denunciar o comportamento policial durante o dia 29 de junho. Desta vez, a raiva dos gregos se sentia no ambiente e dava calafrios. Durante horas as pessoas ficaram em pé na frente das fileiras de policiais, que guardavam o parlamento, conversando com eles, insultando-os, pedindo-lhes para renunciar.
Um jovem irado atirou neles, de repente, uma garrafa de água. Alguns dos dos manifestantes pediram que não fizesse isso. Outros o defenderam, dizendo: “Superaram nossos limites, são uns brutos que não entendem nada. Eu não estou encapuzado, tenho dois filhos e o que fizeram ontem é imperdoável, se portaram como cães ferozes”. Por ali havia também um pai, fora de controle, gritando com um policial específico: “eu te conheço, ontem mandou meu filho ao hospital, você é meu vizinho, eu sei onde você mora e a escola onde vão seus filhos”.
“O que seu filho vai dizer amanhã quando perguntarem onde trabalha seu pai? Ele terá que dizer que está matando gente. Como podem dormir à noite?”, lhe gritava outro. Outro companheiro acrescentava: “Ontem nos diziam que agora nós íamos xingar vocês, nós que não temos trabalho e que por isso estamos aqui. Quando vocês ficarem sem trabalho, quem vai estar a seu lado?”.
Na praça já haviam armado de novo as tendas e os espaços dos diferentes postos de trabalho e também se viam pendurados em diferentes partes da praça dezenas de recipientes dos gases lacrimogêneos que foram recolhidos da noite anterior.
Como todas as noites desde 25 de maio, a assembleia popular da praça começou às nove da noite. O assunto de discussão era contra a repressão do Estado e da classe política e pela democracia direta. “O que se passou ontem é a destruição total da democracia, que significa que o povo manda. Todos eles, aí no parlamento, deveriam abrir um dicionário. Mas é que não havia outra maneira de votar as medidas, se não afogassem nossas vozes por umas horas com gases lacrimogêneos. Mas o que não sabiam era que em vez de nos enfraquecer, nos fariam mais fortes”, comentava uma senhora.
Na assembleia se escutaram mensagens de solidariedade vindas da Islândia, Egito e Argentina que davam ânimo para os gregos seguirem resistindo. O clima era festivo. O povo aplaudia uma, outra vez e forte. “Nós, como idiotas, votamos neles até agora, mas agora este movimento é nossa vida, nosso futuro, nós não vamos deixá-lo até que eles se vão”.
Tradução: Aline Scarso
FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/6800
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Legalização das drogas, uma resposta à falência da política proibicionista
A medicina considera droga todo tipo de substância capaz de alterar as funções de organismos vivos. O tabaco, álcool, café, maconha, cocaína, heroína e a maioria dos fármacos encontrados nas farmácias, cientificamente falando, são drogas. Dados da ONU afirmam que quase 10% da população mundial utiliza algum tipo de droga de alguma forma.
O uso de substâncias psicoativas é prática milenar identificada em praticamente todo tipo de sociedade estudada pela academia até hoje. A proibição e a guerra contra algumas dessas substâncias é uma postura relativamente recente do estado brasileiro e o objetivo deste texto é clarificar o porquê da política proibicionista estar presente em nossa sociedade, a que vem o proibicionismo e como ele afeta nossa realidade. Hoje, milhares de pessoas pobres estão morrendo em nome da guerra às drogas e já passa da hora de debatermos o proibicionismo de maneira séria e responsável.
Histórico da proibição
A política proibicionista é vista pela primeira vez de maneira nítida dentro dos Estados Unidos. Com a intenção de reprimir as minorias e desencorajar a imigração em seu país, os EUA proibiram em 1909 o consumo do ópio, hábito extremamente comum aos imigrantes orientais. Em 1914 é proibida a cocaína e a heroína e em 1919 é aprovada a Lei Seca que proibia o comercio e uso do álcool, bebida largamente consumida pelos negros e pelos imigrantes irlandeses. Pouco depois a maconha, substância também utilizada em larga escala pelos imigrantes africanos, foi proibida. Mesmo com a proibição e a repressão ao uso, nos anos 60 a demanda por essas substâncias aumenta dentro dos EUA e explode, neste período, os cartéis e o tráfico de drogas para abastecer o mercado ilegal. Neste momento, importantes grupos mafiosos são organizados no Peru, na Bolívia e na Colômbia para abastecer o mercado norte-americano.
No Brasil a proibição também teve um caráter de repressão às minorias, as minorias negras mais especificamente. A proibição da maconha foi decretada junto com a proibição da realização de cultos afros e também da capoeira, todos traços culturais e hábitos comuns aos descendentes africanos no Brasil. Neste período, uma idéia de eugenia e de ‘embranquecimento’ da população brasileira perpetuava o imaginário de nossa elite. Não à toa, no mesmo período foi incentivada a vinda de imigrantes europeus para trabalhar nas fazendas de café enquanto, por outro lado, uma massa de negros recém libertos estavam aos montes no Brasil à procura de trabalho.
A criminalização da pobreza pela política proibicionista
Hoje a proibição tem como principal intuito criminalizar a pobreza e referendar o encarceramento em massa da população pobre no Brasil. O discurso do proibicionismo funciona bem como um dispositivo que existe apenas para prender os pobres. Atualmente, a lei que enquadra uma pessoa como traficante abre ao juiz a possibilidade de interpretar o sujeito como criminoso ou não levando em conta a quantidade de droga apreendida e o local onde foi realizada a apreensão. Não é raro o ‘playboy’ da zona sul do Rio não ser enquadrado como traficante pelo fato de ter dinheiro para consumir todo o volume de drogas de seu porte. Em contrapartida, o aviãozinho do tráfico, pobre, é enquadrado como traficante e preso aos montes por ter feito exatamente a mesma coisa que os sujeitos com grana: ter vendido uma substância ilícita.
Dado isto não fica difícil perceber como a proibição, hoje referendada no dispositivo da lei, tem condições de caracterizar uma ação como crime apenas se o sujeito em questão for pobre. A esse processo damos o nome de ‘criminalização da pobreza’.
O proibicionismo, mega-eventos e a reforma urbana
A vinda da Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 não estão trazendo apenas gordos investimentos aos bancos e expectativas de lucros históricos para o setor hoteleiro e para os conglomerados de empresários donos de empreiteiras.
Os mega-eventos no Brasil trazem consigo todo um processo de criminalização da pobreza e de reestruturação urbana para nossas cidades que, infelizmente, é uma conta a ser paga pela parcela trabalhadora e pobre da população. Os despejos em massa para a construção de complexos esportivos, estacionamentos ou hotéis são referendados por uma política de “remoção branca”, como designou o deputado estadual Marcelo Freixo. A remoção branca consiste em elevar os custos de vida de uma determinada região para que os moradores pobres tenham que se deslocar para as periferias cedendo espaço aos grandes empresários e seus investimentos em infra-estrutura para os eventos. A política de UPP, restrita praticamente à zona sul do Rio, é um bom exemplo. Com a entrada das ‘Unidades de Polícia Pacificadora’ uma gama enorme de serviços tiveram uma alta em seus preços e acabaram por expulsar os mais pobres da região. A esse processo de alteração dinâmica da cidade, quem vem excluindo os pobres, chamamos de “reestruturação urbana”, no caso específico uma reestruturação excludente.
Embora absurda, toda essa política repressora é referendada no discurso de guerra às drogas. A entrada do estado nas favelas da zona sul carioca por meio das UPP só ocorreram porque a opinião pública estava convicta de que tudo aquilo era necessário para combater o grande mal que é o tráfico. Não demorou muito para que a população pobre dali não se visse mais em condições de pagar suas contas de luz, água, telefone e tivesse que se deslocar para as periferias, longe dos olhos mal acostumados de nossos turistas.
A legitimação da proibição na mídia
Com o processo de urbanização e modernização das sociedades a opinião pública passou a ser mediada pelos meios de comunicação e a mídia tornou-se uma importante ferramenta para seu controle. Não à toa, hoje, a mídia detém tanto poder que, conhecida como o 4º poder, tem no dono da TELMEX, empresa de telefonia transnacional radicada no México, o homem mais rico do mundo.
A mídia cumpre um papel muito importante na manutenção da política proibicionista no Brasil. A televisão, o rádio e os jornais foram os principais responsáveis por instaurar o terror e o medo na sociedade no processo de invasão dos morros cariocas ao fim do ano passado. Ao mesmo tempo, a grande mídia também cumpria o papel de encobrir os abusos cometidos pela polícia dentro das favelas e de ressaltar a boa relação desta com os locais.
Enfim, o proibicionismo é uma política que movimenta muito dinheiro, principalmente nos programas de guerra ao tráfico e por esse motivo é necessário que ele (o mercado ilegal) esteja sempre ali, existindo, mas ameaçando as pessoas ao mesmo tempo. Muitos interesses econômicos estão por trás da proibição e são estes mesmos interesses que movimentam a mídia de forma a tornar todo esse processo o mais lucrativo possível. Infelizmente, em um país onde a comunicação tem donos e seus donos tem preço, uma comunicação popular, voltada para o interesse social fica longe de nossas vistas e temos de nos deparar com a subserviência do empresariado ligado à mídia diante dos grandes detentores de poder do tráfico e do estado.
A necessidade de legalizar as drogas
De maneira concreta a proibição não reduziu o número de usuários de drogas no mundo. O único resultado real que temos como efeito colateral desta política é um aumento vertiginoso no aumento da violência e do encarceramento de um setor pobre da sociedade. Parece estar claro que a proibição das drogas hoje tem como real intuito criminalizar a pobreza e não proteger a sociedade dos malefícios das drogas: um estado que estivesse realmente preocupado com a saúde de nossa população não deixaria o Sistema Único de Saúde passando pelo processo de sucateamento em que se encontra e as políticas de redução de danos junto aos usuários seriam levadas mais a sério.
A luta pela legalização das drogas se dá pela certeza de que precisamos dar uma resposta ao extermínio da população negra, pobre e jovem das periferias e morros brasileiros que morrem, dia-a-dia, sob um discurso falido de combate às drogas que mais tem resultado em óbitos do que em avanços na qualidade de vida da nossa população.
Sabemos que muitos interesses permeiam a manutenção da proibição e o próprio tráfico é um dos grandes beneficiados desta política. Com a legalização e regulamentação das drogas o tráfico sofreria um duro golpe pelo fato de perder grande fatia de seu mercado.
É importante destacar que apenas a legalização das drogas por si só não resolverá o caos em que se encontra a segurança pública hoje. Se não houver um projeto sério de investimento em educação, saúde, saneamento básico e planos trabalhistas para receber o enorme contingente de trabalhadores do tráfico após a legalização, derrubar o proibicionismo poderá ser um tiro no pé.
A questão das drogas deve ser encarada como um problema de saúde pública e deve ser conduzida de maneira a reduzir danos.
É tempo da esquerda amadurecer esse debate e começar a levantar a bandeira da legalização das drogas junto à bandeiras históricas do movimento como a educação pública de qualidade, a saúde pública, a democratização da cultura e, claro, a democratização da comunicação.
A Enecos defende a legalização das drogas, o grow (cultivo caseiro que ajuda a combater o tráfico), o uso medicinal e marcha junto a todos os coletivos e ativistas anti-proibicionistas do Brasil por entender que essa luta é parte importante da construção da nova sociedade que reivindicamos: justa, livre, igualitária e livre das opressões.
Andrew Costa é estudante de Comunicação Social
Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social
O uso de substâncias psicoativas é prática milenar identificada em praticamente todo tipo de sociedade estudada pela academia até hoje. A proibição e a guerra contra algumas dessas substâncias é uma postura relativamente recente do estado brasileiro e o objetivo deste texto é clarificar o porquê da política proibicionista estar presente em nossa sociedade, a que vem o proibicionismo e como ele afeta nossa realidade. Hoje, milhares de pessoas pobres estão morrendo em nome da guerra às drogas e já passa da hora de debatermos o proibicionismo de maneira séria e responsável.
Histórico da proibição
A política proibicionista é vista pela primeira vez de maneira nítida dentro dos Estados Unidos. Com a intenção de reprimir as minorias e desencorajar a imigração em seu país, os EUA proibiram em 1909 o consumo do ópio, hábito extremamente comum aos imigrantes orientais. Em 1914 é proibida a cocaína e a heroína e em 1919 é aprovada a Lei Seca que proibia o comercio e uso do álcool, bebida largamente consumida pelos negros e pelos imigrantes irlandeses. Pouco depois a maconha, substância também utilizada em larga escala pelos imigrantes africanos, foi proibida. Mesmo com a proibição e a repressão ao uso, nos anos 60 a demanda por essas substâncias aumenta dentro dos EUA e explode, neste período, os cartéis e o tráfico de drogas para abastecer o mercado ilegal. Neste momento, importantes grupos mafiosos são organizados no Peru, na Bolívia e na Colômbia para abastecer o mercado norte-americano.
No Brasil a proibição também teve um caráter de repressão às minorias, as minorias negras mais especificamente. A proibição da maconha foi decretada junto com a proibição da realização de cultos afros e também da capoeira, todos traços culturais e hábitos comuns aos descendentes africanos no Brasil. Neste período, uma idéia de eugenia e de ‘embranquecimento’ da população brasileira perpetuava o imaginário de nossa elite. Não à toa, no mesmo período foi incentivada a vinda de imigrantes europeus para trabalhar nas fazendas de café enquanto, por outro lado, uma massa de negros recém libertos estavam aos montes no Brasil à procura de trabalho.
A criminalização da pobreza pela política proibicionista
Hoje a proibição tem como principal intuito criminalizar a pobreza e referendar o encarceramento em massa da população pobre no Brasil. O discurso do proibicionismo funciona bem como um dispositivo que existe apenas para prender os pobres. Atualmente, a lei que enquadra uma pessoa como traficante abre ao juiz a possibilidade de interpretar o sujeito como criminoso ou não levando em conta a quantidade de droga apreendida e o local onde foi realizada a apreensão. Não é raro o ‘playboy’ da zona sul do Rio não ser enquadrado como traficante pelo fato de ter dinheiro para consumir todo o volume de drogas de seu porte. Em contrapartida, o aviãozinho do tráfico, pobre, é enquadrado como traficante e preso aos montes por ter feito exatamente a mesma coisa que os sujeitos com grana: ter vendido uma substância ilícita.
Dado isto não fica difícil perceber como a proibição, hoje referendada no dispositivo da lei, tem condições de caracterizar uma ação como crime apenas se o sujeito em questão for pobre. A esse processo damos o nome de ‘criminalização da pobreza’.
O proibicionismo, mega-eventos e a reforma urbana
A vinda da Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 não estão trazendo apenas gordos investimentos aos bancos e expectativas de lucros históricos para o setor hoteleiro e para os conglomerados de empresários donos de empreiteiras.
Os mega-eventos no Brasil trazem consigo todo um processo de criminalização da pobreza e de reestruturação urbana para nossas cidades que, infelizmente, é uma conta a ser paga pela parcela trabalhadora e pobre da população. Os despejos em massa para a construção de complexos esportivos, estacionamentos ou hotéis são referendados por uma política de “remoção branca”, como designou o deputado estadual Marcelo Freixo. A remoção branca consiste em elevar os custos de vida de uma determinada região para que os moradores pobres tenham que se deslocar para as periferias cedendo espaço aos grandes empresários e seus investimentos em infra-estrutura para os eventos. A política de UPP, restrita praticamente à zona sul do Rio, é um bom exemplo. Com a entrada das ‘Unidades de Polícia Pacificadora’ uma gama enorme de serviços tiveram uma alta em seus preços e acabaram por expulsar os mais pobres da região. A esse processo de alteração dinâmica da cidade, quem vem excluindo os pobres, chamamos de “reestruturação urbana”, no caso específico uma reestruturação excludente.
Embora absurda, toda essa política repressora é referendada no discurso de guerra às drogas. A entrada do estado nas favelas da zona sul carioca por meio das UPP só ocorreram porque a opinião pública estava convicta de que tudo aquilo era necessário para combater o grande mal que é o tráfico. Não demorou muito para que a população pobre dali não se visse mais em condições de pagar suas contas de luz, água, telefone e tivesse que se deslocar para as periferias, longe dos olhos mal acostumados de nossos turistas.
A legitimação da proibição na mídia
Com o processo de urbanização e modernização das sociedades a opinião pública passou a ser mediada pelos meios de comunicação e a mídia tornou-se uma importante ferramenta para seu controle. Não à toa, hoje, a mídia detém tanto poder que, conhecida como o 4º poder, tem no dono da TELMEX, empresa de telefonia transnacional radicada no México, o homem mais rico do mundo.
A mídia cumpre um papel muito importante na manutenção da política proibicionista no Brasil. A televisão, o rádio e os jornais foram os principais responsáveis por instaurar o terror e o medo na sociedade no processo de invasão dos morros cariocas ao fim do ano passado. Ao mesmo tempo, a grande mídia também cumpria o papel de encobrir os abusos cometidos pela polícia dentro das favelas e de ressaltar a boa relação desta com os locais.
Enfim, o proibicionismo é uma política que movimenta muito dinheiro, principalmente nos programas de guerra ao tráfico e por esse motivo é necessário que ele (o mercado ilegal) esteja sempre ali, existindo, mas ameaçando as pessoas ao mesmo tempo. Muitos interesses econômicos estão por trás da proibição e são estes mesmos interesses que movimentam a mídia de forma a tornar todo esse processo o mais lucrativo possível. Infelizmente, em um país onde a comunicação tem donos e seus donos tem preço, uma comunicação popular, voltada para o interesse social fica longe de nossas vistas e temos de nos deparar com a subserviência do empresariado ligado à mídia diante dos grandes detentores de poder do tráfico e do estado.
A necessidade de legalizar as drogas
De maneira concreta a proibição não reduziu o número de usuários de drogas no mundo. O único resultado real que temos como efeito colateral desta política é um aumento vertiginoso no aumento da violência e do encarceramento de um setor pobre da sociedade. Parece estar claro que a proibição das drogas hoje tem como real intuito criminalizar a pobreza e não proteger a sociedade dos malefícios das drogas: um estado que estivesse realmente preocupado com a saúde de nossa população não deixaria o Sistema Único de Saúde passando pelo processo de sucateamento em que se encontra e as políticas de redução de danos junto aos usuários seriam levadas mais a sério.
A luta pela legalização das drogas se dá pela certeza de que precisamos dar uma resposta ao extermínio da população negra, pobre e jovem das periferias e morros brasileiros que morrem, dia-a-dia, sob um discurso falido de combate às drogas que mais tem resultado em óbitos do que em avanços na qualidade de vida da nossa população.
Sabemos que muitos interesses permeiam a manutenção da proibição e o próprio tráfico é um dos grandes beneficiados desta política. Com a legalização e regulamentação das drogas o tráfico sofreria um duro golpe pelo fato de perder grande fatia de seu mercado.
É importante destacar que apenas a legalização das drogas por si só não resolverá o caos em que se encontra a segurança pública hoje. Se não houver um projeto sério de investimento em educação, saúde, saneamento básico e planos trabalhistas para receber o enorme contingente de trabalhadores do tráfico após a legalização, derrubar o proibicionismo poderá ser um tiro no pé.
A questão das drogas deve ser encarada como um problema de saúde pública e deve ser conduzida de maneira a reduzir danos.
É tempo da esquerda amadurecer esse debate e começar a levantar a bandeira da legalização das drogas junto à bandeiras históricas do movimento como a educação pública de qualidade, a saúde pública, a democratização da cultura e, claro, a democratização da comunicação.
A Enecos defende a legalização das drogas, o grow (cultivo caseiro que ajuda a combater o tráfico), o uso medicinal e marcha junto a todos os coletivos e ativistas anti-proibicionistas do Brasil por entender que essa luta é parte importante da construção da nova sociedade que reivindicamos: justa, livre, igualitária e livre das opressões.
Andrew Costa é estudante de Comunicação Social
Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Repressão liberada
A reitoria da UNIFAP autorizou a ação da PM dentro do campus Marco Zero, imagina, se quando não era autorizada a agir a PM já espancava e desrespeitava estudantes tanto fora quanto dentro da universidade, imagine agora com autorização da reitoria para agir.
Infelizmente, como também já era de se esperar, os "coletivos partidários", o sindicato dos professores, o sindicato dos servidores, nada estão fazendo ou fizeram para conter está situação.
Se faz necessário que nós estudentes, servidores e professores da base organizemos a resistência.
Pensando na organização hoje faremos reunião no CAHIS (bloco D) ás 17 horas, compareça e resista junto conosco.
Não tá morto quem peleia!
Infelizmente, como também já era de se esperar, os "coletivos partidários", o sindicato dos professores, o sindicato dos servidores, nada estão fazendo ou fizeram para conter está situação.
Se faz necessário que nós estudentes, servidores e professores da base organizemos a resistência.
Pensando na organização hoje faremos reunião no CAHIS (bloco D) ás 17 horas, compareça e resista junto conosco.
Não tá morto quem peleia!
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