quarta-feira, 15 de junho de 2011

SOBRE A GEOGRAFIA CULTURAL

Roberto Lobato Corrêa
Departamento de Geografia – UFRJ

O presente texto procura encaminhar alguns pontos relativos à natureza da geografia cultural, visando clarificar aspectos pouco claros ou mal assimilados por parte de muitos geógrafos, decorridos mais de 12 anos de existência do periódico Espaço e Cultura e após a publicação de 13 volumes de livros da série “Geografia Cultural”.

A pouca clareza em relação à geografia cultural decorre, em grande parte, do fato dela estar, em sua trajetória no Brasil, em um terceiro momento. O primeiro momento, que pode ser visto como estendendo-se do começo da década de 1990 até o seu final, caracterizou-se pela não aceitação do sub-campo que, percebido como novo, foi visto, como qualquer sub-campo novo, como capaz de abalar as estruturas do poder acadêmico. O segundo momento, entre 2001 e 2005 aproximadamente, caracterizou-se por uma relativa aceitação do sub-campo, incluindo aqueles que no primeiro momento foram os seus críticos. A geografia cultural passa a ser vista progressivamente como uma novidade interessante. O terceiro momento é o de sua vulgarização, no qual a antiga “novidade” é adotada, via de regra apressadamente, sem reflexões ou críticas consistentes, tendendo a cultura a ser tratada segundo noções do senso comum e por procedimentos usuais, positivistas em muitos casos. Esta vulgarização é tanto maior quando estimulada por órgãos de fomento à pesquisa, que cobram produtividade da parte de professores, doutorandos, mestrandos e mesmo de alunos de graduação. Esta trajetória não é incomum no âmbito da geografia brasileira e acreditamos estar na hora de refletir sobre ela.

Este texto tenta clarificar sobre a natureza da geografia cultural a partir de seis pontos que serão a seguir abordados.

1 – O Conceito de Cultura
Cultura constitui-se em termo dotado de diversas acepções, sendo um termo empregado no senso comum e inteligível no âmbito das idéias em discussão. No âmbito das ciências sociais a polissemia é ampla e os debates em torno do conceito são numerosos. A este respeito consulte-se, entre outros, as coletâneas organizadas por Bohannan e Glazer (1973) e Moore (1997), nas quais o conceito de cultural é discutido por cientistas sociais de diversas matizes. Hoefle (1998), por sua vez, apresenta um quadro no qual a cultura pode ser entendida segundo três eixos. No primeiro a cultura é vista ou numa perspectiva abrangente ou restrita, abarcando, respectivamente inúmeros fenômenos (crença, hábitos, conhecimentos, linguagem, arte, etc.) ou limitada aos significados construídos a respeito das diferentes esferas da vida. A geografia cultural saueriana ou Escola de Berkeley, está calcada na visão abrangente de cultura, enquanto na perspectiva da denominada geografia cultural renovada, a visão de cultura é restrita. No segundo eixo a cultura é vista de acordo com o papel que desempenha na sociedade. Determinada pela natureza ou pela base econômica, de um lado, ou tendo o papel de determinação, sendo então considerada como entidade supra-orgânica ou, ainda, em terceiro lugar, como um contexto, isto é, simultaneamente reflexo, meio e condição. Na Escola de Berkeley o conceito de cultura associa-se à sua visão como entidade supra-orgânica, conforme discutido por Duncan (2003), enquanto na geografia cultural renovada a cultura é entendida como um contexto. No terceiro eixo, finalmente, a cultura é considerada em relação ao processo de mudança. Evolução linear, comum a todos os grupos, evolução própria, específica para cada grupo ou impossibilidade de se realizar estudos que não sejam sincrônicos. A geografia cultural saueriana apóia-se na perspectiva de uma evolução específica, enquanto a geografia cultural renovada tende a privilegiar a terceira via.

Por mais simplificado que seja este enquadramento, ele permite encaminhar as diferenças essenciais, com base no conceito de cultura, entre as duas visões mais importantes a respeito da geografia cultural. A implicação dessa distinção reside no caminho que será dado pelo pesquisador. E não há, a priori, um caminho melhor que o outro, mas caminhos a serem consistentemente seguidos.

2 – Geografia Cultural: Uma Prática com Um Século
Segundo Claval (1999) a geografia cultural tem suas origens por volta de 1890, no âmbito da própria formação da geografia, no bojo da qual debatia-se, particularmente na Alemanha, os caminhos a serem seguidos, visando estabelecer a identidade da geografia.

Entre 1890 e 1940 Claval identifica a primeira fase da geografia cultural. Caracteriza-se ela, na Alemanha, na França e, após 1925 nos Estados Unidos, por privilegiar a paisagem cultural e os gêneros de vida, resultantes das relações entre sociedade e natureza. Estes temas desdobravam-se em ouros como as regiões culturais, a ecologia cultural ou o papel do homem destruindo a natureza, a difusão cultural e outros associados, via de regra, à dimensão material da cultura. Consulte-se, além de Claval (1999), o texto de Wagner e Mikesell (2003). Veja-se ainda Corrêa (2001) e Cosgrove (2003), com a crítica à geografia cultural saueriana.

O segundo período estende-se de 1940 a 1970, segundo aponta Claval (1999). Trata-se de período de retração da geografia cultural, colocada em segundo plano face à força da geografia regional hartshorniana, em um primeiro momento, entre 1940 e 1955, e à revolução teorético-quantitativa no segundo, entre 1955 e 1970. A 2a Guerra Mundial e a retomada da expansão capitalista alterando a organização do espaço e tendendo a eclipsar culturas tradicionais, regionais, levou à valorização de estudos com perspectivas pragmáticas, voltados para as transformações em curso e esperadas. A preferência mudou dos estudos sobre paisagens culturais, habitat rural, sistemas agrícolas e difusão cultural para estudos sobre lógicas locacionais e estudos urbanos, entre outros. O trabalho de campo foi em grande parte substituído pelas inferências estatísticas. Mas a geografia cultural prosseguiu. Foi em 1962 que Philip Wagner e Marvin Mikesell lançaram a coletânea Readings in Cultural Geography.

A partir de 1970 a geografia cultural passa por uma profunda reformulação, como sempre com base em jovens geógrafos. A década de 1970 foi, em realidade, uma arena de embates epistemológicos, teóricos e metodológicos, no âmbito dos quais emergem uma geografia crítica e diferentes sub-campos que, nos anos 80 iriam confluir, em parte, para gerar a denominada geografia cultural renovada. A década de 1980 vê configurar-se esta nova versão da geografia cultural. Na década seguinte surgem periódicos especializados, Géographie et Cultures, na França, criado por Paul Claval em 1992 e Ecumene, na Inglaterra e nos Estados Unidos, em 1994, posteriormente redenominado de Cultural Geographies. Ambos se juntam ao Journal of Cultural Geography criado nos Estados Unidos. A criação posterior do Social and Cultural Geography veio ampliar as possibilidades de publicar textos em geografia cultural. A publicação de coletâneas ampliou mais ainda essas possibilidades. Veja-se, entre outras, Re-Reading Cultural Geography, de 1994, organizada por K. Foote, P.J. Hugill e K. Mathewson, Handbook of Cultural Geography, organizado por K. Anderson, M. Domosh, S. Pyle e N. Thrift, e A Companion in Cultural Geography, de 2004, organizado por J. Duncan, N. Johnson, e R. Schein.

No Brasil a geografia cultural ganha existência a partir de 1993, com a criação do NEPEC (Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Espaço e Cultura) do Departamento de Geografia da UERJ, que edita o periódico Espaço e Cultura, a publicação eletrônica Textos NEPEC e a coleção de livros Geografia Cultural. Veja-se a respeito Corrêa e Rosendahl (2005). Trata-se, agora, de um sub-campo plenamente estabelecido no país.

3 – Significados: A Palavra-Chave
A produção e reprodução da vida material é mediada na consciência e sustentada pela produção simbólica – língua, gestos, costumes, rituais, artes, a concepção da paisagem, etc. De acordo com Cosgrove (2003, p. 103), “toda atividade humana é, ao mesmo tempo, material e simbólica, produção e comunicação”.

Os símbolos constituem traços fundamentais do ser humano. “Todo comportamento humano é comportamento simbólico, todo comportamento simbólico é comportamento humano”, argumenta White (1973, p. 335). O homem vive em uma floresta de símbolos socialmente criados, que expressam significados associados às diversas esferas da vida, como aponta, entre ouros, Salomon (1955).

O reconhecimento da importância dos significados aparece claramente em 1923 com Cassirer (2001) que argumentava que para a compreensão do ser tornava-se necessário apreende-lo não apenas no que se refere à sua organização, constituição e estrutura, mas também em relação aos significados que dele se faz. Isto implica em interpreta-lo e, mais do que isto, em interpretar o que os outros pensam de suas práticas e construções materiais e intelectuais, como enfatiza Geertz (1989).

Os símbolos, contudo, não expressam um único significado, ainda que haja a intenção, por parte daqueles que os criaram, de dota-los de um único sentido. Hall (1997) reafirma a perspectiva construcionista, na qual os símbolos são abertos a diferentes interpretações, calcadas cada uma na experiência, valores, crenças, mitos e utopias do grupo social que interpreta. Os significados são, assim, instáveis e essa instabilidade atravessa o tempo. Fala-se, então, em polivocalidade, isto é, diversas interpretações a respeito do mesmo símbolo. Esta polivocalidade é o antídoto a um significado imposto, único, que as elites, em sua hegemonia cultural, pretendem impor. Sobre essa instabilidade consulte-se, entre os geógrafos, Duncan e Sharp (1993) e Mondada e Soderstrom (2004). Adicionalmente, e visando o processo de interpretação, consulte-se Barthes (1977, 1986) e Panofsky (2004).

Trata-se, em realidade, de se penetrar nos “mundos de significados” (Cosgrove, 2000) que reafirmam a diversidade de interpretações atribuídas à existência humana, inclusive à sua espacialidade. Cosgrove reconhece o papel da imaginação na ação criadora do homem. A imaginação re-elabora metaforicamente tudo aquilo que os sentidos capturam, criando e recriando significados que enriquecem a compreensão a respeito da existência humana.

Mas os significados não são apenas um produto social. Constituem também uma condição para a reprodução social, incluindo não apenas valores, crenças, mitos e utopias, mas também as relações sociais e a espacialidade humana. A este respeito consulte-se o artigo de Berque (1998), escrito em 1981, sobre paisagem-marca e paisagem-matriz, no qual os significados estão atuando por intermédio das formas materiais criadas e criadoras da ação humana.

Os significados constituem o foco da atenção do geógrafo cultural. É nesta perspectiva que Claval acrescenta ao clássico questionamento formulado no passado sobre as causas da diferenciação entre lugares a seguinte indagação (Claval, 2001, p. 40).

“Por que os indivíduos e os grupos não vivem os lugares do mesmo modo, não os percebem da mesma maneira, não recortam o real segundo as mesmas perspectivas e em função dos mesmos critérios, não descobrem neles as mesmas vantagens e os mesmos riscos, não associam a eles os mesmos sonhos e as mesmas aspirações, não investem neles os mesmos sentimentos e a mesma afetividade?”

A natureza espacial da cultura, entendida enquanto significados, levou o grupo de Birmingham a referir-se a ela como “mapas de significados” (Jackson, 1989). Esta conceituação é importante para o geógrafo, reafirmando a geograficidade da cultura.

A espacialidade da cultura permite que a expressão “mapas de significados” não seja apenas uma metáfora, sendo possível elaborar mapas de significados que ampliem o escopo da cartografia geográfica. Os mapas não se limitam às representações com base em dados estatísticos, mas podem incluir também representações gráficas de tudo aquilo que é “lembrado, imaginado e contemplado (...) material ou imaterial, real ou desejado, do todo ou da parte (...) vivenciado ou projetado” (Cosgrove, 1999, p. 2).

A importância desses mapas, ou a cartografia do campo cultural, como se refere Bonnemaison (2002) é enorme. Pode permitir representações cartográficas da geograficidade de que nos fala Dardel (1952), possibilitando outros olhares sobre a ação humana. Mais do que uma rica metáfora, mapas de significados são instrumentos de que grupos oprimidos podem dispor. Como construções sociais os mapas são veículos a partir dos quais se pode exercer poder, como afirmam Short (1991) e Crampton (2001), transformando-se assim em contra-cultura, permitindo descobrir novos significados no espaço geográfico.

Exemplos de estudos sobre as interpretações a respeito da organização espacial encontram-se nas coletâneas organizadas por Stephen Daniels e Denis Cosgrove, The Iconography of Landscape, publicada em 1988, e por Trevor Barnes e James Duncan, publicada em 1992, Writing Worlds-Discourse, Text and Metaphor in the Representation of Landscape.

4 – A Natureza Política
A geografia cultura que emerge renovada a partir da década de 1970 tem um nítido sentido político. A dimensão política das práticas culturais tem sido, já há algum tempo, apontada pelos cientistas sociais e intelectuais em geral. Williams (2003), por exemplo, no começo dos anos 70, distingue cultura da classe dominante e culturas alternativas, isto é, residuais e emergentes. Nesta distinção há um nítido sentido político, no qual a idéia gramsciana de hegemonia cultural se faz presente e a cultura deixa de ser considerada exclusivamente em termos de etnicidade, religião e outros atributos. A relação entre cultura e política remete às diferenças entre classes sociais, às estruturas de poder e às políticas culturais de diferenciação, conforme apontam Amariglio, Resnick e Wolff (1988). A partir desta relação a cultura passa a ser considerada simultaneamente como reflexo, meio e condição de existência e reprodução, e não mais como superestrutura, determinada pela base (Williams, 2003), nem como entidade supra-orgânica, independente e pairando acima da sociedade, conforme discutido por Duncan (2003). Reflexo, meio e condição conferem à cultura um nítido caráter político.

As relações entre cultura e política foram também explicitadas por Geertz (1989), ao desfazer a idéia de que ambas constituíam esferas distintas da vida social. Argumenta ele que esta relação advém do entendimento da cultura como estruturas de significados e da política como um poderoso meio pelo qual essas estruturas tornam-se públicas. Trata-se de política de produção e circulação de significados.

A natureza política da cultura foi também enfatizada por geógrafos, entre eles Taillard (2003) e Mitchell (2000). O primeiro aponta três funções políticas da cultura, as funções de integração, que envolve as noções de pertencimento e identificação, de regulação, que controla o comportamento individual em sociedades tradicionais, e de enquadramento, associadas às sociedades com escrita, em relação às quais o poder elabora uma constante re-interpretação da cultura. Mitchell, por sua vez, enfatiza o caráter político da geografia cultural, sugerindo mesmo que ela intervenha em políticas culturais.

As relações entre cultura e política manifestam-se de modo material e imaterial. Códigos, normas e leis são exemplos dos últimos, enquanto a paisagem cultural constitui-se na manifestação mais corrente do primeiro modo. A paisagem cultural está impregnada de sentido político, constituindo-se, segundo Rowntree e Conley (1980, p. 465), em “mecanismos regulatórios que controlam significados”. Os exemplos das inúmeras paisagens da cultura dominante, que exibem, por meio de formas simbólicas, o poder que a classe dominante detém (Cosgrove, 1998), são notáveis. A paisagem palladiana, concebida pelo arquiteto Andréas Palladio, da Veneza e arredores dos séculos XV e XVI, é um exemplo (Cosgrove, 1993a), assim como a paisagem da capital do reino de Kandy, no Sri Lanka do primeiro quartel do século XIX, como analisado por Duncan (1990). Os altos edifícios construídos em Nova York no último quartel do século XIX, e daí para frente, exibem o poder e legitimidade das grandes empresas, conforme aponta Domosh (1994). Nos três exemplos verificam-se políticas de significados estabelecidas pelos grupos dominantes.

A dimensão política da cultura manifesta-se ainda por meio da polivocalidade, isto é, das diversas possibilidades de interpretação da mesma paisagem. Esta não emite um único e inequívoco sentido, nem um sentido a ser descoberto ao se decodificar as intenções daqueles que produziram as formas materiais que constituem a paisagem cultural. O sentido da paisagem cultural pode ser construído e reconstruído pelos diversos grupos sociais a partir de suas experiências. Esta perspectiva construcionista advém das diferenças de classe, étnicas, religiosas e de acordo com outros atributos, conforme discutido por Hall (1997). A polivocalidade contém um sentido político que pode opor, em relação a uma mesma paisagem, o sentido de celebração e de contestação.

Leib (2002), baseado em Jean Gottmann, refere-se à iconografia política do território expressa por meio de monumentos que, localizados em espaços públicos, compõem a paisagem de certas áreas. Estes monumentos emitem mensagens de celebração ou de contestação ou de ambas. Cabe ao geógrafo descrever e interpretar o sentido político desses monumentos, como fez Leib em seu estudo sobre os monumentos dedicados ao general Robert Lee, herói sulista da Guerra de Secessão norte-americana e ao líder negro Arthur Ashe, tenista renomado e defensor dos direitos cívicos. Ambos os monumentos localizam-se à mesma avenida na cidade de Richmond, Virgínia. O monumento ao líder confederado foi erguido em 1890 e representa ideais dos confederados. O monumento a Arthur Ashe, por sua vez, foi inaugurado em 1996, após longos debates, primeiramente sobre a validade do próprio monumento e, após, sobre a sua localização, denotando o papel do espaço na valorização dos monumentos e da capacidade destes em transmitir eficientemente mensagens de contestação, de um lado, e de afirmação, de outro, em uma cidade branca e negra, como Richmond. Os exemplos de estudos dessa natureza são numerosos e sugere-se que seja consultado o estudo de Corrêa (2005), sobre monumentos, política e espaço.

A toponímia, finalmente, pode ser interpretada em muitos casos como uma articulação entre linguagem, poder territorial e identidade, denotando um nítido sentido político, sentido capturado por Azaryahu (1996) e Brunet (2001), entre outros. O primeiro comenta sobre o poder envolvido no processo de nomear logradouros públicos, enquanto o segundo discute o processo de desrussificação dos nomes de lugares, rios e montanhas do Cazaquistão após a independência do país em 1991: a nova toponímia é parte da política de criação da identidade nacional. O estudo da toponímia constitui-se em meio pelo qual a natureza política da geografia cultural é plenamente evidenciada. Mas não se trata de interpretar pura e simplesmente toda a toponímia de qualquer área ou unidade político-administrativa, pois a toponímia deriva de diversas razões. Consulte-se, adicionalmente, entre outros, Alderman (2003), Cohen e Kliot (1992), Herman (1999) e Yeoh (1996).

5 – Objeto, Tempo e Escala
A cultura, entendida como significados, direciona a atenção dos geógrafos para a escolha de seus objetos de investigação. Por ser uma abordagem, um modo de olhar a realidade, uma interpretação daquilo que os outros grupos pensam e praticam, a geografia cultural não é definida por um objeto específico, como a própria cultura, concebida segundo o senso comum ou segundo uma visão abrangente.

A geografia cultural está focalizada na interpretação das representações que os diferentes grupos sociais construíram a partir de suas próprias experiências e práticas. A noção de “descrição densa” de Geertz (1989) aplica-se bem.

O estudo da religião, por exemplo, que muitos aceitariam como sendo nitidamente de geografia cultural, não o é assim necessariamente. Assim, o estudo da distribuição espacial dos templos de uma dada religião insere-se em uma perspectiva locacional, ainda que possa ser extremamente útil para a geografia cultural renovada. Mas pode se inserir também na perspectiva da geografia cultural saueriana, como, de fato, foi analisada. Na perspectiva da geografia cultural renovada o estudo da religião deve estar centrado na espacialidade do sagrado, impondo ao geógrafo o conhecimento dos preceitos da religião em estudo.

O estudo de uma área operária, que se enquadra em uma geografia econômica ou social ou ainda política, passa a enquadrar-se no campo da geografia cultural quando analisada com base nas representações que os operários fazem do espaço onde vivem e trabalham. Esta perspectiva complementa as anteriores; enriquecendo-as.

A natureza e a distância aos lugares e grupos culturais podem ser de interesse para a geografia cultural. Ao se considerar o espaço vivido, no âmbito do qual estabelecem-se práticas, percepções, afetividades e distanciamento ao que é estranho, o geógrafo depara-se com significados distintos, segundo cada grupo cultural, face à natureza e ao espaço social. Gallais (2002) ao analisar a diversidade ecológica e cultural do delta interior do Niger, aponta para as noções de distância estrutural, distância ecológica e distância afetiva entre os habitantes da área. Evidencia, assim, como a abordagem cultural engloba temas que, aparentemente, não seriam de interesse da geografia cultural.

A partir do interesse pelo estudo de sociedades agrárias e do peso que a história desempenhava entre os geógrafos sauerianos, o passado foi muito privilegiado como recorte temporal. Análises sincrônicas e diacrônicas foram elaboradas, privilegiando-se, contudo, o passado ou estabelecendo a gênese, evolução e difusão espacial de traços culturais. Esta ênfase no passado constituiu-se, mesmo, em marca dos geógrafos culturais sauerianos.

A renovação da geografia cultural não deixou de lado o passado, mas privilegia o presente ou o passado recente. Mas o que é mais importante ressaltar não é o recorte temporal mas a análise dos significados que são ou foram atribuídos à espacialidade humana. Pois, repita-se, a abordagem cultural está precisamente centrada nos significados que os diversos grupos sociais constroem relativos à espacialidade passada, do presente e mesmo do futuro.

Semelhantemente, não há uma escala geográfica que seja, a priori, melhor que outra. A geografia cultural renovada interessa-se tanto em estudar os significados construídos em minúsculas áreas, como uma rua, um vale ou mesmo um prédio, como no estudo de um bairro, uma cidade, uma região ou mesmo um país. Em realidade não há limites em termos de escala para a pesquisa em geografia cultural, quer seja a geografia saueriana, quer seja a geografia cultural renovada.

A escolha da escala geográfica depende dos questionamentos que foram elaborados e para cada escala adotada o geógrafo, cultural ou não, deve ter em mente que o foco de investigação e os procedimentos não podem ser os mesmos. Afinal, para um mesmo grupo os significados variam segundo a escala geográfica, pois derivam de experiências e práticas que variam de acordo com as escalas com que a vida se desenrola.

6 – A Heterotopia Epistemológica
A geografia cultural não se constitui em um sub-campo caracterizado por uma uniformidade epistemológica, presa a uma ortodóxica. A partir de 1980 torna-se nitidamente claro que a geografia cultural pode ser epistemologicamente definida como uma heterotopia, conforme aponta Duncan (2000), uma característica que não lhe é exclusiva e que tem correspondência com o que Geertz (2004) denomina de mistura de gêneros. Nesta heterotopia epistemológica estão ora justapostas, ora combinadas, matrizes distintas e posições individualizadas.

Segundo Myers, McGeevy, Carney e Kenny (2003) ao avaliarem a geografia cultural norte-americana dos anos 90, esta pode ser dividida em três correntes principais, não se esquecendo da corrente saueriana, ainda ativa no país. Estas três correntes são, a corrente humanista, a corrente pós-estruturalista e aquela calcada no materialismo histórico. São correntes pós-positivistas, que emergiram a partir dos anos 70. Significados, ressalta-se, é a palavra-chave para elas.

A corrente humanista foi fortemente influenciada pela fenomenologia de Husserl e Heidegger, e tem em Yi-Fu Tuan o seu maior expoente. Absorvida pelo movimento de valorização da cultura, o “cultural turn”, a corrente humanista vincula-se a “questões associadas aos significados e valores humanos relacionados à interpretação das paisagens culturais e lugares” (Myers, McGeevy, Carney e Kenny, 2003, p. 83). O interesse na criatividade, consciência e compreensão da condição humana leva essa corrente a estabelecer relações com as humanidades, história, literatura e filosofia.

A corrente pós-estruturalista caracteriza-se por uma variedade de caminhos a serem seguidos, em sua crítica ao estruturalismo e ao positivismo. O traço comum a esta corrente é a recusa a aceitar uma única interpretação a respeito da sociedade e seu espaço. A influência de Geertz, Foucault e Said é considerável para essa corrente. O estudo de Duncan (1990) sobre a política de interpretação da paisagem na capital do reino de Kandy, Sri Lanka, no primeiro quartel do século XIX, constitui-se em notável exemplo, assim como os estudos focalizando as controvérsias a respeito das formas simbólicas espaciais: sobre isto consulte-se Corrêa (2005).

Na constituição da geografia cultural renovada os aportes do marxismo foram consideráveis e ainda continuam a sê-lo. Esta influência advém, de um lado, da geografia social inglesa e, de outro, deriva dos contatos com membros do Centre for Contemporary Cultural Studies, de Birmingham, particularmente Stuart Hall, e com Raymond Williams, professor em Cambridge. Ele e Stuart Hall são os fundadores do periódico New Left Review.

Geógrafos marxistas produziram importantes textos em geografia cultural, como se exemplifica com Harvey (1979), Peet (1996) e Mitchell (1999a e 2000). Os dois primeiros discutem formas simbólicas espaciais em uma visão crítica, respectivamente a Basílica de Sacré-Coeur de Montmartre, em Paris, e um monumento em pequena cidade da Nova Inglaterra, enquanto Mitchell é autor de importantes textos sobre a natureza da cultura e da geografia cultural. Consulte-se ainda o livro de Denis Cosgrove, publicado em 1984, Social Formations and Symbolic Landscape.

A heterotopia suscitou importantes debates internos, isto é, entre geógrafos, nos quais posições antagônicas eram confrontadas. Debates que serviram para o enriquecimento do sub-campo. Entre eles estão os debates envolvendo Price e Lewis (1993a, 1993b), de um lado, e Cosgrove (1993b), Duncan (1993) e Jackson (1993), de outro, em defesa, respectivamente, da geografia saueriana e da nova geografia cultural. Mais acirrado foi o debate entre Mitchell (1999a, 1999b), de um lado e Cosgrove (1999b), os Duncans (1999) e Jackson (1999), de outro. Críticas e sugestões foram também feitas, exemplificadas com Philo (1999) e Barnett (1998). Mais do que enriquecedoras, as discussões evidenciaram o vigor do sub-campo, atestado pela sua própria renovação, realizada, e em realização, numa heterotopia, conforme aponta Duncan (2000).

À Guisa de Conclusão
Este texto procurou evidenciar as principais características da geografia cultural que emergiram das mudanças verificadas após 1970 no bojo da geografia. Lacunas certamente existem. Diversa em propósitos e métodos, a geografia cultural oferece ao geógrafo vários caminhos para tornar inteligível a ação humana. Não há um único caminho que, a priori, seja melhor que outro. O pesquisador deve decidir que caminho seguir a partir de suas indagações, a partir de sua criatividade indagadora.

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