segunda-feira, 13 de junho de 2011

Os 140 anos da Comuna de Paris e a Teoria do Anti-Estado

A insurreição proletária de março de 1871, que ocorreu na capital francesa, instaurou uma experiência de autogoverno dos trabalhadores, conhecida como a Comuna de Paris.
Sendo um dos marcos da luta dos trabalhadores contra a exploração e opressão burguesa, a Comuna da Paris suscitou importantes debates a cerca da ideologia, da teoria, da estratégia e do programa revolucionários. Entretanto, o predomínio das
análises de orientação marxista tem negligenciado aspectos centrais dessa experiência revolucionária, especialmente, no que diz respeito à participação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), o papel da Aliança e a teoria do anti-Estado.


A União Popular Anarquista (UNIPA) aproveita os 140 anos da Comuna para saldar essa
insurreição proletária e destacar o papel da ideologia e da teoria anarquista nessa experiência de autogoverno dos trabalhadores.

1. O contexto político da Comuna de Paris

A derrota na guerra contra a Prússia (1870) pôs fim ao regime do imperador francês Napoleão III, Luís Bonaparte, e deu início ao Governo Provisório liderado pela burguesia. Inicialmente o Governo Provisório foi exercido por Leon Gambetta, posteriormente passou ao comando de Adolphe Thiers.
Sob a liderança de Bismarck, a Alemanha estava em processo de unificação e disputava a hegemonia européia com a França e a Inglaterra. Os alemães já tinham conquistado as regiões francesas de Alsácia e Lorena, pelo Tratado de Frankfurt.
O exército prussiano sitiou a cidade de Paris e o Governo Provisório francês propôs um armistício.
Por sua vez, o movimento operário na França estava consolidando sua organização política e sua consciência de classe, através da AIT. Estava mobilizado para a luta reivindicativa e começava a tomar parte nas questões da guerra. O movimento dos trabalhadores se deu conta que somente a sua iniciativa seria capaz de derrotar a ameaça de invasão prussiana, uma vez que a burguesia havia capitulado.
A insurreição começa em 1871 com a rebelião da Guarda Nacional que não aceitou a ordem de depor as armas. A Guarda Nacional executou seus generais e tomou a prefeitura de Paris. Thiers transferiu a sede do governo burguês para Versalhes e organizou a invasão da capital francesa. A resposta da classe trabalhadora foi a organização da Comuna de Paris – o autogoverno dos trabalhadores. A insurreição dos communards estabeleceu uma dualidade de poder: de um lado o poder burguês representado pelo Governo Provisório e seus aliados alemães; do outro lado, um poder operário-popular materializado na Comuna de Paris.

2. O papel da AIT e da Aliança na Comuna de Paris
O predomínio das interpretações marxistas sobre a Comuna produziu dois grandes equívocos: primeiro, a idéia de que o movimento insurrecional teve um caráter
espontâneo, isto é, não foi o resultado de uma ação consciente dos trabalhadores,
e, o segundo equívoco, é a defesa, feita por Engels e por Lênin, de que a Comuna foi a primeira experiência da “Ditadura do Proletariado”.
Em 1870 a AIT já se constituía com uma das principais forças políticas da Europa, o espaço de organização das lutas dos trabalhadores europeus. A Associação Internacional dos Trabalhadores aprovou resolução contra a Guerra Franco-Prussiana, conclamando a unidade dos trabalhadores dos dois países.


Por sua vez, o movimento operário francês, responsável pela fundação da AIT juntamente com os trabalhadores ingleses em 1864, encontra-se fortemente organizados, enfrentando o governo absolutista de Napoleão III. Entre as lideranças dos trabalhadores franceses destaca-se Eugène Varlin (1839-1871), encadernador de livros, um dos principais organizadores da seção francesa da AIT e membro da Aliança (organização revolucionária anarquista da qual fazia parte Mikhail Bakunin).
Varlin participou ativamente da insurreição de março, sendo eleito para o Comitê Central da Guarda Nacional, convocando os demais membros da AIT à participação no Comitê, também foi eleito para três distritos da Comuna e participando da resistência da última barricada.
Antes da eclosão da insurreição, o posicionamento da Aliança, a partir dos escritos e das ações de Bakunin e Varlin, é bem explícito: somente a Revolução Social poderia garantir a proteção do povo francês diante da opressão interna, o governo monárquico de Napoleão III, e da opressão externa, a invasão prussiana.
Em 1870, Bakunin estava em Lyon e organizou o Comitê para a Salvação da França e a
Comuna de Lyon (também foram proclamadas Comunas em Marseille, Narbonne, Saint-tienne, Toulouse e Creusot), defendendo a destruição do Estado e a organização do autogoverno dos trabalhadores.
Na sua obra, Cartas a um francês, de 1870, Bakunin afirmava de maneira categórica: Está aqui provado que a França não pode salvar... o Estado. Mas, separadamente desta instituição parasitária e artificial, uma nação somente consiste em seu povo;
consequentemente, somente a ação imediata, não partidária, do povo pode salvar a França, por meio de um levante massivo de todo o povo francês, espontaneamente organizado de baixo para cima, por uma guerra de destruição, uma guerra sem misericórdia, até a morte”.
No início do mês de março de 1871, escrevia Varlin, no texto As sociedades operárias: “Enquanto os nossos estadistas procuram substituir o regime do governo pessoal por um governo parlamentar e liberal (estilo Orléans), esperando assim desviar o avanço de uma revolução que ameaça os seus privilégios. (...) Devemos dedicar ativamente à preparação dos elementos de organização da sociedade futura, de modo a tornar mais fácil e mais certeira a obra de transformação social que se impõe à Revolução”.


Portanto, não há dúvidas de que a teoria e a estratégia revolucionárias anarquistas foram determinantes da deflagração do movimento insurrecional da Comuna de Paris.
Do mesmo modo, o programa dos communards foi o programa da Aliança. Isto é, a abolição do Estado, o povo em armas, a coletivização das fábricas, a igualdade entre homens e mulheres, entre outras...
Sendo assim, o programa da Comuna, por suas características e natureza ideológica,
não tem nenhuma relação com a “Ditadura do Proletariado”. Muito pelo contrário, a Comuna de Paris foi, como conclui Bakunin, a negação do Estado: “Sou um partidário da Comuna de Paris, (...) sou seu partidário em grande parte porque foi uma negação audaz, bem pronunciada, do Estado” (A Comuna de Paris e a noção de Estado).
Também encontramos no texto já citado de Varlin sua defesa da teoria do anti-Estado: “Até agora, os Estados políticos mais não têm sido do que a continuação de regime de conquista que presidiu ao estabelecimento da autoridade e à opressão das massas. (...) Se não quisermos converter tudo num Estado centralizador e autoritário, que nomearia os diretores das fábricas, das manufaturas, dos estabelecimentos de distribuição, os quais por sua vez nomeariam os subdiretores, os contramestres, etc., organizando-se assim hierarquicamente o trabalho de alto a baixo e deixando-se o trabalhador como uma mera engrenagem inconsciente, sem liberdade nem iniciativa, se não quisermos nada disto temos de admitir que os próprios trabalhadores devem dispor livremente dos seus instrumentos de trabalho, possuí-los, com a condição de trocar os seus produtos ao preço de custo, para que exista reciprocidade de serviços entre os trabalhadores das diferentes especialidades”.
Não se pode negar que a Comuna foi composta majoritariamente por republicanos radicais e que os setores socialistas (os chamados “internacionalistas”) eram minoritários. Entretanto, a partir da análise histórica correta sobre a Comuna de Paris não se pode negar que ela foi a primeira experiência do anti-Estado. Resultante de uma insurreição proletária que buscava a abolição do Estado e a construção da Federação e do autogoverno dos trabalhadores. Essa experiência histórica deve ser lembrada pela coragem dos communards em levar as últimas consequências o lema da AIT: A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores!

Viva a Comuna de Paris!
Os communards vivem e vencerão!

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