Líderes pedem nova política de drogas para a ONU
Desde que o presidente norte-amerciano Richard Nixon declarou há 40 anos a guerra mundial contra as drogas, a grande maioria dos dirigentes mundiais se alinhou com esta política proibicionista. Mas agora, pela primeira vez em meio século, um grupo de líderes de alto nível pediu à ONU que reavalie este modelo e adote de maneira urgente um mais eficiente e humano.
Entre as principais sugestões da Comissão Global de Políticas de Drogas, incluídas em um relatório lançado quinta-feira (2) em Nova York, está a legalização e regulamentação da maconha, o fim da criminalização dos usuários de todas as drogas, o investimento de recursos em pesquisa científica e o uso da repressão de maneira crítica, com ênfase nas estruturas criminosas e não nos cultivadores, mulas humanaos e vendedores de pequenas quantidades de droga.
A Comissão Global é nformada pelos ex-presidentes latino-americanos Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México; pelo ex-secretário-geral da ONU, Koffi Annan; pela ex-presidenta da Suíça, Ruth Dreifuss; pelo ex-secretário de Estado dos Estados Unidos, George P. Shultz; pelo empresario Richard Branson; entre outros, num total de 19 personalidades (Ver lista completa no final da matéria).
O relatório da Comissão Global argumenta sua solicitação utilizando exemplos e dados concretos de por que a guerra contra as drogas foi um fracasso e como outras abordagens (como a descriminalizção do uso de todas as drogas em Portugal) que tiveram melhores resultados. Por exemplo, o documento cita cifras das Nações Unidas que indicam que o consumo de drogas aumentou entre 1998 e 2008. Neste período, de acordo com os dados da organização, o número de usuários de opiáceos aumentou 34.5%, o de cocaína, 27%, o de cannabis, 8.5%.
“Líderes políticos e figuras públicas devem articular publicamente o que muitos deles reconhecem em caráter privado: que as evidências demonstram de maneira assustadora que as estratégias repressivas não resolverão o problema das drogas e que a guerra contra as drogas não pôde, não pode e não poderá ser ganha”, afirma o documento.
Outra maneira de agir
Durante o lançamento do relatório, o ex-presidente brasileiro disse que a crítica à guerra contra as drogas não significa que não haja nada a fazer a respeito. “Temos que agir. As drogas estão se infiltrando no poder local em muitos lugares do mundo e a corrupção está aumentando assim como o consumo”, afirmou Cardoso durante a coletiva de imprensa. Aos 80 anos de idade, o ex-presidente brasileiro se converteu em um dos mais ilustres defensores de uma nova política de drogas.
Também membro da Comissão Global, o empresario britânico Richard Branson, destacou que a guerra contra as drogas tem um alto custo e que não rende frutos. “A ironia é que um mercado altamente regulado – que seria estritamente controlado e que poderia oferecer apoio e não prisão a quem tem problemas com as drogas - custaria muito menos aos contribuintes”, disse.
O ex-presidente de Colômbia, César Gaviria, exigiu a abertura dos Estados Unidos à necessidade de participar deste debate. “Nossa meta é que os Estados Unidos discutam este problema em toda sua magnitude, em lgar de fechar-se em torno de uma política que fracassou. A crença de que este é um tema intocável por razões eleitoreiras não é aceitável”, afirmou Gavíria, que também foi secretério-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A organização Avaaz, uma comunidade global de mobilização online que integra ações políticas impulsionadas pela cidadania, respaldou o pedido da Comissão Global com a apresentação de quase 600 mil assinaturas de cidadãos ao redor do mundo que estão clamando pelo fim da guerra às drogas. A campanha ainda está vigente, clique para assinar a petição. (Na foto, o ex-presidente brasileiro recebendo as assinaturas do representante da Avaaz)
De acordo com o relatório da Comissão Global, “as aparentes vitórias em eliminar uma fonte ou uma organização de narcotráfico são negadas quase instantaneamente pelo surgimento de outras fontes e traficantes. Os esforços repressivos dirigidos aos consumidores impedem a implementação de medidas de saúde pública para reduzir as infecções por HIV/Aids, as mortes por overdose e outras consequências perjudiciais do uso de drogas. Os gastos governamentais com estratégias frustradas de redução da oferta e de prisões, substituem investimentos mais eficazes e baseados em evidências orientados para a redução da demanda e de danos”.
O relatório recomenda ainda “colocar o foco das ações repressivas nas organizações criminosas violentas, mas fazê-lo de maneira a acabar com seu poder e seu alcance, enquanto se dá prioridade para a redução da violência e da intimidação. Os esforços para impor o cumprimento da lei não devem ter o foco na redução dos mercados de drogas em si, mas na redução de seus danos sobre os indivíduos, as comunidades e na segurança nacional”.
Boa recepção
Da mesma forma que a Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), a Comissão Global se inspira na experiência bem-sucedida da Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia. No Brasil, a CBDD serve como difusora das ideias da Comissão Global, já que compartilha do mesmo ideal de encontrar uma política de drogas mais eficiente que a atual. O presidente da CBDD e também presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Gadelha, viu de maneira positiva a solicitação que a Comissão Global fez à ONU.
Para Gadelha, a abordagem exclusivamente repressiva comum em todo o mundo até o momento revelou falhas. “A Comissão Brasileira, que é aliada da Comissão Global, considera que o uso de drogas deve ser tratado como uma questão de saúde e de assistência pública, como está claro na Declaração que lançamos em março deste ano depois de 18 meses de debate, reflexão e reuniões das quais participaram representantes de diversos segmentos da sociedade brasileira”, destacou Gadelha.
O presidente da Fiocruz, declarou que a postura da CBDD não se confunde de forma alguma com tolerância em relação à violência ligada ao narcotráfico, que deve ser castigada com severidade e afirmou que a CBDD se reunirá em breve para estudar o conteúdo do relatório e posicionar-se colegiadamente a respeito.
Na Colômbia, durante a cerimônia pública de posse dos oficiais da Escola Militar de Cadetes, o atual presidente colombiano, Juan Manuel Santos, se mostrou interessado em conhecer o documento e disse que “a Colômbia tem autoridade moral como nenhum outro país para participar desta discussão global porque se há um país que fez sacrifícios nesta luta contra o narcotráfico, foi a Colômbia”, afirmou o presidente. ,
A defesa de FHC por uma mudança na política de drogas continua no próximo domingo em Vigário Geral, favela da periferia do Rio de Janeiro, onde o ex-presidente brasileiro assistirá ao lançamento do documentário “Quebrando o tabu”, do qual participou como âncora, sob a direção de Fernando Grostein Andrade.
O encontro, realizado pela ONG Afroreggae, incluirá um debate com convidados e pessoas da comunidade que sofre as consequências da presença do crime organizado e os resultados colaterais da guerra contra as drogas.
Membros da Comissão Global de Políticas de Drogas:
Kofi Annan, ex secretário-geral das Nações Unidas, Gana
Louise Arbour, ex-alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, presidente do International Crisis Group, Canadá
Richard Branson, empresário, defensor de causas sociais, fundador do Virgin Group, um dos fundadores da organização The Elders, Reino Unido
Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil
Marion Caspers-Merk, ex-secretária de Estado do Ministério Federal Alemão de Saúde
Maria Cattaui, membro do conselho Petroplus Holdings, ex-secretário-geral da Câmara de Comércio Internacional, na Suíça
Ruth Dreifuss, ex-presidente da Suíça e Ministra da Administração Interna
Carlos Fuentes, escritor e intelectual, México
César Gaviria, ex-presidente da Colômbia
Asma Jahangir, ativista dos Direitos Humanos, relatora rspecial sobre a execuções arbitrárias, sumárias e extrajudiciais, Paquistão
Michel Kazatchkine, diretor-executivo do Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária, França
Mario Vargas Llosa, escritor e intelectual, Peru
George Papandreou, primeiro-ministro da Grécia
George P. Shultz, ex-secretário de Estado, Estados Unidos (presidente honorário)
Javier Solana, ex-alto representante da União Europeia para a Política Externa e de Segurança Comum, Espanha
Thorvald Stoltenberg, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e Alto Comissário da ONU para os Refugiados, Noruega
Paul Volcker, ex-presidente do FED, Banco Central dos Estados Unidos e do Conselho de Recuperação Econômica
John Whitehead, banqueiro e funcionário público, presidente da Fundação World Trade Center Memorial, Estados Unidos
Ernesto Zedillo, ex-presidente do México
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