“Os ativistas Black Bloc não são manifestantes, eles não estão lá
para protestar. Eles estão lá para promover uma intervenção direta
contra os mecanismos de opressão, suas ações são concebidas para causar
danos às instituições opressivas.” É dessa forma que a estratégia de
ação do grupo que vem ganhando notoriedade devido às manifestações no
País é definida por um vídeo, divulgado pela página do Facebook “Black
Bloc Brasil”, que explica parte das motivações e forma de pensar dos
seus adeptos.
A ação, ou estratégia de luta, pode ser reconhecida em grupos de
pessoas vestidas de preto, com máscaras ou faixas cobrindo os rostos.
Durante os protestos, eles andam sempre juntos e, usualmente, atacam de
maneira agressiva bancos, grandes corporações ou qualquer outro símbolo
das instituições Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e
defendem a destruição de “alvos capitalistas”. Conheça a história e a
forma de luta que se popularizou com o movimento antiglobalização e
ganha destaque no Brasil “capitalistas e opressoras”, além de, caso
julguem necessário, resistirem ou contra-atacarem intervenções
policiais.
Devido ao atual ciclo de protestos de rua, o Black Bloc entrou no
centro do debate político nacional. Parte das análises e opiniões
classifica as suas ações como “vandalismo” ou “violência gratuita”, e
também são recorrentes as críticas ao anonimato produzido pelas máscaras
ou panos cobrindo a face dos adeptos. Mas o Black Bloc não é uma
organização ou entidade. Leo Vinicius, autor do livro Urgência das ruas –
Black Bloc, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global, da Conrad,
(sob o pseudônimo Ned Ludd), a define o como uma forma de agir,
orientada por procedimentos e táticas, que podem ser usados para defesa
ou ataque em uma manifestação pública.
Zuleide Silva (nome fictício), anarquista e adepta do Black Bloc no
Ceará, frisa que eles têm como alvo as “instituições corporativas” e
tentam defender os manifestantes fora do alcance das ações repressoras
da polícia. “Fazemos o que os manifestantes não têm coragem de fazer.
Botamos nossa cara a tapa por todo mundo”, afirma.
O jornalista e estudioso de movimentos anarquistas, Jairo Costa, no
artigo “A tática Black Bloc”, publicado na Revista Mortal, lembra que o
Black Bloc surgiu na Alemanha, na década de 1980, como uma forma
utilizada por autonomistas e anarquistas para defenderem os squats
(ocupações) e as universidades de ações da polícia e ataques de grupos
nazistas e fascistas. “O Black Bloc foi resultado da busca emergencial
por novas táticas de combate urbano contra as forças policiais e grupos
nazifascistas. Diferentemente do que muitos pensam, o Black Bloc não é
um tipo de organização anarquista, ONG libertária ou coisa parecida, é
uma ação de guerrilha urbana”, contextualiza Costa.
De acordo com um dos “documentos informativos” disponíveis na
página do Facebook, alguns dos elementos que os caracterizam são a
horizontalidade interna, a ausência de lideranças, a autonomia para
decidir onde e como agir, além da solidariedade entre os integrantes.
Atualmente, há registros, por exemplo, de forças de ação Black Bloc nas
recentes manifestações e levantes populares no Egito.
Black Bloc no Brasil
Para Leo Vinicius, é um “pouco surpreendente” que essa estratégia
de manifestação urbana, bastante difundida ao redor do mundo, tenha
demorado a chegar por aqui. “Essa forma de agir em protestos e
manifestações ganhou muito destaque dentro dos movimentos
antiglobalização, na virada da década de 1990 para 2000. Não é uma forma
de ação política realmente nova”. No Brasil, existem páginas do
movimento de quase todas as capitais e grandes cidades, a maior parte
delas criadas durante o período de proliferação dos protestos. A maior é
a Black Bloc Brasil, com quase 35 mil seguidores, seguida pela Black
Bloc–RJ, com quase 20 mil membros.
A respeito da relação com o anarquismo, Vinicius faz uma ressalva. É
preciso deixar claro que a noção de que “toda ação Black Bloc é feita
por anarquistas e que todos anarquistas fazem Black Bloc” é falsa. “A
história do Black Bloc tem uma ligação com o anarquismo, mas outras
correntes como os autonomistas, comunistas e mesmo independentes também
participavam. Nunca foi algo exclusivo do anarquismo. Na prática, o
Black Bloc, por se tratar de uma estratégia de operação, pode ser
utilizado até por movimentos da direita”, explica o escritor.
Para alguns ativistas, o processo de aceitação das manifestações de
rua, feito pela grande mídia e por parte do público, de certa forma
impôs que, para serem considerados legítimos, os protestos deveriam
seguir um padrão: pacífico, organizado, com cartazes e faixas bem feitas
e em perfeito acordo com as leis. Vinicius demonstra certa preocupação
com a possibilidade do fortalecimento da ideia de que essa forma
“pacífica” seja vista como o único meio possível ou legítimo de
protestar. Ele afirma que não entende como violenta a ação Black Bloc de
quebrar uma vidraça ou se defender de uma ação policial excessiva. “A
violência é um conceito bastante subjetivo. Por isso, não dá pra taxar
qualquer ato como violento, é preciso contextualizá-lo, entender as
motivações por trás de cada gesto”, avalia.
Para ele, a eficácia de uma manifestação está em saber articular
bem formas de ação “pacíficas” e “não pacíficas”. Foi esse equilíbrio,
analisa, que fez com que o Movimento Passe Livre – São Paulo (MPL-SP)
barrasse o aumento da tarifa na capital paulista. “Só com faixas e
cartazes a tarifa não teria caído”, atesta. “Quem tem o poder político
nas mãos só cede a uma reivindicação pelo medo, por sentir que as coisas
podem sair da rotina, de que ele pode perder o controle do Estado”,
sentencia.
Por outro lado, Vinicius alerta que é preciso perceber os limites
para evitar que as ações mais “radicais” façam com que o movimento seja
criminalizado ou se isole da sociedade e, com isso, perca o potencial de
realizar qualquer mudança. Em sua obra, faz a seguinte definição
daqueles que adotam a estratégia Black Bloc: “Eles praticam uma
desobediência civil ativa e ação direta, afastando assim a política do
teatro virtual perfeitamente doméstico, dentro do qual [a manifestação
política tradicional] permanece encerrada. Os BB não se contentam com
simples desfiles contestatórios, certamente importantes pela sua carga
simbólica, mas incapazes de verdadeiramente sacudir a ordem das coisas”,
aponta.
Outra crítica recorrente é o fato de os BB usarem máscaras ou panos
para cobrirem os rostos. Os adeptos da ação explicam que as máscaras
são um meio de proteger suas identidades para “evitar a perseguição
policial” e outras formas de criminalização, como também criar um
“sentimento de unidade” e impedir o surgimento de um “líder
carismático”.
Luta antiglobalização
Com o passar do tempo, segundo Jairo Costa, as táticas Black Bloc
passaram a ser reconhecidas como um meio de expressar a ira
anticapitalista. Ele explica que geralmente as ações são planejadas para
acontecer durante grandes manifestações de movimentos de esquerda.
O estudioso destaca como um dos momentos mais significativos da
história Black Bloc a chamada “Batalha de Seattle”, em 1999, contra uma
rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 30 de
novembro daquele ano, após uma tarde de confrontos com as forças
policiais, uma frente móvel de black blockers conseguiu quebrar o
isolamento criado entre os manifestantes e o centro comercial da cidade.
Após vencer o cerco policial, os manifestantes promoveram a destruição
de várias propriedades, limusines e viaturas policiais, e fizeram várias
pichações com a mensagem “Zona Autônoma Temporária”. Estimativas
apontam prejuízos de 10 milhões de dólares, além de centenas de feridos e
68 prisões.
Para Costa, um dos episódios mais impactantes – e duros – da
história Black Bloc foi o assassinato de Carlo Giuliani, jovem
anarquista de 23 anos, durante a realização simultânea do Fórum Social
de Gênova e a reunião do G8 (Grupo dos oito países mais ricos), na
Itália, em julho de 2001. Ele lembra que, após vários confrontos
violentos – alguns deles vencidos pelos manifestantes, que chegaram a
provocar a fuga dos policiais, que deixaram carros blindados para trás
–, ocorreu o episódio que levou à morte de Giuliani.
“Ele partiu para cima de um carro de polícia tentando atirar nele
um extintor de incêndio. Muitos fotógrafos estavam por lá e seus
registros falam por si. Ao se aproximar do carro, Giuliani é atingido
por dois tiros, um na cabeça. E, numa cena macabra, o carro da polícia
dá marcha a ré e atropela-o várias vezes”, narra. Os assassinos de Carlo
Giuliani não foram condenados. Dois anos após o fato, a Justiça
italiana considerou que a ação policial se deu como “reação legítima” ao
comportamento do militante.
Alvos capitalistas
Entre as formas de ação direta do Black Bloc destacam-se os ataques
aos chamados “alvos simbólicos do capital”, que incluem joalherias,
lanchonetes norte-americanas ou ainda a depredação de instituições
oficiais e empresas multinacionais. Costa explica que essas ações “não
têm como objetivo atingir pessoas, mas bens de capital”.
Zuleide justifica a destruição praticada contra multinacionais ou
outros símbolos capitalistas, porque elas seriam mecanismo de
“exploração e exclusão das pessoas”. “Queremos que esses meios que
oprimem e desrespeitam um ser humano se explodam, vão embora, morram.
Trabalhar dez horas por dia para não ganhar nada, isso é o que nos
enfurece. Por isso, nossas ações diretas a eles, porque queremos causar
prejuízos, para que percebam que há pessoas que rejeitam aquilo e que
lutam pela população”, explica.
Ela reconhece que essas ações diretas podem deixá-los “mal vistos”
na sociedade, já que há pessoas que pensam: “Droga, não vou poder mais
comer no ***** porque destruíram tudo”. Porém, Zuleide afirma que o
trabalhador, explorado por essas corporações, “adoraria fazer o que nós
fazemos”, mas, por ter família para sustentar e contas a pagar, não faz.
“Esse é mais um dos motivos que nos fazem do jeito que somos”, pontua.
Vinicius explica que, nas “ações diretas”, os black blockers atacam
bens particulares por considerarem que “a propriedade privada –
principalmente a propriedade privada corporativa – é em si própria muito
mais violenta do que qualquer ação que possa ser tomada contra ela”.
Quebrar vitrines de lojas, por exemplo, teria como função destruir
“feitiços” criados pela ideologia capitalista. Esses “feitiços” seriam
meios de “embalar o esquecimento” de todas as violências cometidas “em
nome do direito de propriedade privada” e de “todo o potencial de uma
sociedade sem ela [as vitrines]”.
Sem violência?
Em praticamente todas as manifestações, independentemente das
causas e dos organizadores, tornou-se comum o grito: “Sem violência! Sem
violência!”, que tinha como destinatários os policiais que,
teoricamente, entenderiam o caráter “pacifista” do ato. Também seria uma
tentativa de coibir a ação de “vândalos” ou “baderneiros”, que
perceberiam não contar com o apoio do restante da massa.
Zuleide reconhece que, inicialmente, a ação Black Bloc era alvo
desses gritos, mas, segundo ela, quando as pessoas entendem a forma como
eles atuam, isso muda. “Os manifestantes perceberam que o Estado não
iria nos deixar falar, nos deixar reivindicar algo, e começaram a nos
reprimir. Quando há confronto [com a polícia], nós os ajudamos
retardando a movimentação policial ou tirando eles de situações que
ofereçam perigo, e alguns perceberam isso”, afirma.
Apesar de os confrontos com policiais não serem uma novidade
durante as suas ações, os adeptos afirmam não ter como objetivo atacar
policiais. Contudo, outro documento intitulado “Manifesto Black Bloc”
deixa claro que, caso a polícia assuma um caráter “opressor ou
repressor”, ela se torna, automaticamente, uma “inimiga”.
No “Manual de Ação Direta – Black Bloc”, também disponível na
internet, a desobediência civil é definida como “a não aceitação” de uma
regra, lei ou decisão imposta, “que não faça sentido e para não se
curvar a quem a impõe. É este o princípio da desobediência civil,
violenta ou não”. Entre as possibilidades de desobediência civil são
citadas, por exemplo, a não aceitação da proibição da polícia que a
manifestação siga por determinado caminho, a resistência à captura de
algum manifestante ou, ainda, a tentativa de resgatar alguém detido
pelos policiais.
Também são ensinadas táticas para resistir a gás lacrimogêneo,
sprays de pimenta e outras formas de ação policial, além de dicas de
primeiros socorros e direitos legais dos manifestantes. De acordo com o
documento, as orientações desse manual tratam apenas da desobediência
civil “não violenta”.
Outra orientação é que seja definido, antes da manifestação, se a
desobediência civil será “violenta” ou “não violenta”. Caso se opte pela
ação ‘não violenta’, essa decisão deve ser respeitada por todos, visto
que não cumprir o combinado pode pôr “em risco” outros companheiros,
além de ser um sinal de “desrespeito”.
Contudo, o mesmo manual deixa claro que o que “eles fazem conosco”
todos os dias é uma violência, sendo assim, “a desobediência violenta é
uma reação a isso e, portanto, não é gratuita, como eles tentam fazer
parecer”.
Uma breve história
1980: O termo Black Bloc (Schwarzer Block) é usado pela primeira vez pela polícia alemã, como
forma
de identificar grupos de esquerda na época denominados “autônomos, ou
autonomistas”, que lutavam contra a repressão policial aos squats
(ocupações).
1986: Fundada, em Hamburgo (Alemanha), a liga autonomista Black Bloc 1500, para defender o Hafenstrasse Squat.
1987: Anarquistas vestidos com roupas pretas
protestam em Berlim Ocidental, por ocasião da presença de Ronald Reagan,
então presidente dos EUA, na cidade.
1988: Em Berlim Ocidental, o Black Bloc confronta-se com a polícia durante uma manifestação
contra a reunião do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
1992: Em São Francisco (EUA), na ocasião do 500º
aniversário da descoberta da América por Cristóvão Colombo, o Black Bloc
manifesta-se contra o genocídio de povos nativos das Américas.
1999: Seattle contra a Organização Mundial do
Comércio (OMC). Estima-se em 500 o número de integrantes do Black Bloc
que destruíram o centro econômico da cidade.
2000: Em Washington, durante reunião do FMI e
Banco Mundial, cerca de mil black blockers anticapitalistas saíram às
ruas e enfrentaram a polícia.
2000: Em Praga (República Tcheca), forma-se um dos
maiores Black Blocs que se tem notícia, durante a reunião do FMI. Cerca
de 3 mil anarquistas lutam contra a polícia tcheca.
2001: Quebec (Canadá). Membros do Black Bloc
são
acusados de agredir um policial durante uma marcha pela paz nas ruas de
Quebec. Após esse evento, a população local e vários manifestantes de
esquerda distanciaram-se da tática Black Bloc e de seus métodos
extremos.
2001: A cidade de Gênova (Itália), ao mesmo tempo,
recebeu a cúpula do G8 e realizou o Fórum Social de Gênova, com um
grande número de Black blockers, além de aproximadamente de 200 mil
ativistas. A ação ficou marcada pela violenta morte do jovem Carlo
Giuliani, de 23 anos.
2007: Em Heiligendamm (Alemanha), reunião do G8
foi alvo de uma ação com a participação de cerca de 5 mil blackblockers .
Mobilização Black Bloc de cerca de 5.000 pessoas
2010: Toronto (Canadá), na reunião do G20. Neste
confronto, mais de 500 manifestantes foram presos e dezenas de outros
ativistas foram parar em hospitais com inúmeras fraturas.
2013: Cairo (Egito). O Black Bloc aparece com
forte atuação nos protestos da Praça Tahir, no combate e resistência ao
exército do então presidente Hosni Mubarak.
Pragmatismo Político