terça-feira, 17 de setembro de 2013

Rede Globo e o apoio à ditadura

O apoio ao golpe militar não foi um ato isolado. Ela apoiou, incondicionalmente, os 20 anos de ditadura em nosso país
11/09/2013
Editorial da edição 550 do Brasil de Fato

Em editorial, publicado no dia 31 de agosto, o jornal da família Marinho, O Globo, reconheceu que foi um erro ter apoiado o golpe militar de 1964, como o fizeram também todos os grandes jornais do país.
Seriam sinais de novos tempos na Globo? Nem o mais ingênuo dos mortais acredita nessa possibilidade.
O apoio ao golpe militar não foi um ato isolado. Ela apoiou, incondicionalmente, os 20 anos de ditadura em nosso país. Em dezembro de 1968, renovou seu apoio ao governo ditatorial, tornando-se conivente com o Ato Institucional número 5 (AI-5). As prisões políticas, os exílios, casos de torturas e assassinatos de militantes políticos não mereceram uma linha de repúdio ao governo militar, nos noticiários da família Marinho.
Apoiou a ditadura militar e dela se beneficiou. Armando Falcão, um dos ministros da Justiça da ditadura militar, se referia ao dono da Globo, Roberto Marinho, como o “mais fiel e constante aliado”. Desse conluio com a ditadura, nasceu o império que monopoliza as comunicações no país e abarrotou os cofres da família Marinha com uma fortuna de R$52 bilhões de reais.
Fortuna que tem na sua origem na aquisição, fraudulenta, da antiga TV Paulista pela quantia Cr$ 60.396,00 (sessenta mil, trezentos e noventa e seis cruzeiros), equivalente à época a US$ 35,00 (trinta e cinco dólares).
Não faltam provas sobre falsificação de documentos e outras ilegalidades cometidas por Roberto Marinho para se apoderar da TV Paulista, fato exitoso por causa do conluio que mantinha com o governo da ditadura militar.
Os descendentes da família proprietária da Rádio Televisão Paulista S/A e dos 670 acionistas que foram lesados por Roberto Marinho movem um processo contra a Globo, que se encontra no STF e tem como relator o ministro Celso de Mello. Mas ao contrário da energia que demonstra para atacar o ex-ministro petista José Dirceu, o decano da corte não apresenta nenhuma pressa para julgar o recurso dos que foram lesados pela família Marinho.
A mesma postura, de silêncio conivente, foi adotada com as ditaduras militares que espalharam pelo continente latino-americano nas décadas de 1960 e 1970. E se repetiu, com indisfarçável simpatia, nos golpes de Estado que depuseram presidentes de repúblicas, democraticamente eleitos pelo voto popular, como o do Jean-Bertrand Aristide (Haiti), em 1991, Manuel Zelaya (Honduras), em 2009 e Fernando Lugo (Paraguai), no ano passado. Está no DNA da Globo apoiar governos reacionários, golpistas e antidemocráticos.
Seu reacionarismo continuou em evidência quando, em 1984, o povo brasileiro foi às ruas para exigir eleições diretas para o cargo de Presidente da República. Somente mudou de postura quando o grito das ruas — “o povo não é bobo, abaixo a rede globo” — tornou-se ensurdecedor. Dois anos antes, em 1982, envolveu-se com a empresa Proconsult, associada a antigos colaboradores do regime militar, na tentativa de impedir a vitoria eleitoral de Leonel Brizola ao governo do Rio de Janeiro. Na eleição de 1989, notabilizou-se pela edição manipulada dos seus noticiários, responsável pela vitória eleitoral de Fernando Collor de Melo. Em 2010, foi bizarra a encenação de uma bolinha de papel na testa do candidato José Serra, numa vã tentativa de provocar a derrota da candidata Dilma Roussef. Há de se admitir que a Rede Globo conseguiu cavar um lugar próprio e cativo nos processos eleitorais do país.
Da mesma forma, quando for contado a história da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão petista, a Rede Globo terá um lugar de destaque superior a muitos juízes integrantes da Corte.
Desde que o STF aceitou a denúncia, porque “julgou com uma faca no pescoço”, nas palavras de um dos seus integrantes, tornou-se evidente os seus esforços para que o resultado do julgamento fosse o que atendesse a seus interesses políticos. Concessão de prêmios para ex-juízes do STF, silêncio conivente sobre possíveis crimes cometidos por membros e pessoas próximas aos que vestem as togas, ofertas de empregos para parentes de atuais integrantes da Corte, espaços fartos em noticiários e reportagens favoráveis aos que votam e se posicionam como seus colunistas escrevem, são apenas os indícios mais visíveis da fina sintonia do que acontece na AP 470 com os desejos dos que monopolizam a comunicação no país.
Juízes teleguiados, escreveram alguns jornalistas independentes, juízes que assumiram papéis de justiceiros, escreveram outros. Não faltaram os que se notabilizaram por memoráveis afirmativas tais como: a verdade é uma quimera ou não há provas mas a literatura jurídica me permite condená-lo. Tudo para não contradizer o script de um resultado pré-determinado pela mão de quem segura a faca no pescoço.
Com este histórico de uma origem nascida com a ditadura militar e sobre negócios fraudulentos, de ataques aos processos de eleições democráticas, de criminalização dos movimentos sociais e sindicais e de tentativas de subordinar os Poderes do Estado aos seus interesses, só resta à Rede Globo promover, anualmente, a campanha “Criança Esperança” para tentar limpar sua própria imagem. Busca fazer caridade com o dinheiro que arrecada das outras empresas e de doações individuais. Enquanto ela mesma sonega uma quantia superior a R$1 bilhão de reais, em impostos devidos a Receita Federal. Tudo a ver com a Rede Globo.

Motivos econômicos pelo transporte público gratuito

Uma sociedade que depende de automóveis individuais como meio de transporte principal tem custos sociais e ecológicos elevados
15/07/2011
João Alexandre Peschanski
 A criação de um sistema de transporte público gratuito universal no capitalismo soa como uma fantasia inatingível. Tal sistema, à primeira vista, seria economicamente ineficiente, na medida em que oneraria demais o Estado.
Mas, do ponto de vista econômico, criar um sistema de transporte público gratuito é vantajoso para o Estado. Uma sociedade que depende de automóveis individuais como meio de transporte principal tem custos sociais e ecológicos elevados. É preciso levar em conta esses custos no cálculo da eficiência de qualquer sistema de transporte.
Uma sociedade dependente de automóveis individuais tem altos níveis de poluição -- muito mais do que teria se o principal meio de transporte fosse coletivo. A contaminação do ar leva a doenças respiratórias e, consequentemente, gastos médicos, para o cidadão e o Estado. Na medida em que tais doenças respiratórias incapacitam os membros de uma sociedade levam a uma possível desaceleração econômica -- trabalhadores sem saúde não produzem no mesmo nível do que trabalhadores com saúde. Há outros gastos relacionados ao uso do automóvel em massa, como a manutenção de uma rede de fiscais de trânsito, fundamental para organizar cidades com tráfego intenso, e o tempo -- produtivo -- perdido em engarrafamentos. Quem paga a conta pelo trânsito são, de novo, o cidadão e o Estado.
As montadoras conseguem vender a preços mais baratos os automóveis que produzem porque repassam ao cidadão e ao Estado os custos sociais do sistema de transporte que patrocinam. Nos primeiros meses de 2011, o aumento na venda de automóveis chegou a 8% em comparação com o ano anterior. As montadoras exigem do governo redução de impostos e mais facilidade no crédito para compradores, isto é, querem se livrar ainda mais dos custos sociais relacionados a seus carros. Mas o imposto deveria aumentar, não diminuir.
O imposto deveria aumentar sobre as montadoras que lucram com a produção de um bem com alto custo social, como acontece com outros produtos nocivos (cigarro, bebida). Mas também deveria aumentar, paulatinamente, sobre o consumidor, à medida que se consolide um sistema de transporte coletivo funcional. Numa sociedade onde o transporte público é bom, um cidadão pode querer ou precisar de um carro, por conforto ou por qualquer outro motivo, mas como sua decisão tem repercussões sociais -- o custo social relacionado ao uso do automóvel -- cabe também a ele pagar por isso.
Até agora, a argumentação nos levou à necessidade social de substituir o uso em massa dos automóveis pelo transporte público, mas por que este teria de ser gratuito? Por justiça econômica. Os usuários de transporte público beneficiam toda a sociedade, pois mantêm baixos os custos sociais relacionados ao transporte (poluição, trânsito). Beneficiam até mesmo as pessoas que não usam o transporte público. Cobrar tarifas pelo uso do transporte público é, então, uma injustiça econômica: por mais que o serviço beneficie a todos, só uma parcela dos beneficiados paga por ele. De certo modo, cobrar pelo transporte público se torna uma exploração dos usuários pelos não-usuários. Os gastos do sistema de transporte coletivo têm de ser partilhados pelos beneficiados, ou seja, divididos entre todos os cidadãos.
A gratuidade do transporte público pode ser defendida por dois outros aspectos econômicos. Por um lado, cobranças de tarifas envolvem custos de operação e fiscalização; um sistema de transporte público gratuito os elimina. Por outro lado, a gratuidade funciona como um incentivo aos cidadãos para que usem meios públicos de locomoção, aumentando os benefícios sociais.
Um sistema de transporte público gratuito é eficiente, do ponto de vista econômico, e compatível em teoria com uma sociedade capitalista. Os obstáculos à criação desse sistema não são de ordem econômica, mas política. As montadoras têm, evidentemente, interesse em manter a sociedade dependente dos carros que fabricam. Para garantir seus lucros, precisam manter essa dependência e investem para pressionar os governos local e federal a manter seu controle sobre o sistema de transporte. No Brasil, têm alta capacidade de pressão, pois contam com políticos aliados com posições-chave, na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, e potencial de chantagem sobre o governo, ameaçando demitir trabalhadores se seus interesses não forem atendidos.
A reivindicação por transporte público gratuito é, portanto, realista e justa. Organiza-se no Brasil, principalmente, pelo Movimento Passe Livre, criado em 2005, que mobiliza jovens e trabalhadores de baixa renda em diversas capitais sob a bandeira da tarifa zero. Enfrenta, nas ruas, uma visão atrasada e ineficiente da vida em sociedade. E tem a lógica econômica de seu lado.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O Anarquismo como Método de Análise Geográfica: uma breve reflexão epistemológica

Alexandre Peixoto Faria Nogueira

Introdução

            O anarquismo tem sido historicamente, colocado à margem das discussões científicas e, consequentemente, das produções acadêmicas. Essa exclusão não só acontece no âmbito da geografia, mas em todas as ciências sociais, nas quais as correntes de pensamento hegemônicas menosprezam a importância e contribuição do anarquismo para com o desenvolvimento e organização social em determinados momentos da história, tanto em escala mundial como, por exemplo, a importância dos grupos anarquistas na Revolução Russa e na Guerra Civil Espanhola; quanto no Brasil, com a chegada dos imigrantes, principalmente italianos, formando os primeiros sindicatos brasileiros. No entanto, ressurgem grupos de estudos na linha anarquista, como por exemplo, o Grupo de Estudo Anarquista (GEA) da Universidade Federal Fluminense e também alguns encontros nacionais, como o I Simpósio de História do Anarquismo no Brasil, ocorrido entre os dias 20 e 21 de agosto de 2003, na Universidade Federal Fluminense, Niterói/RJ.
            A palavra anarquia vem do grego e significa “sem governante”, sendo assim esta palavra, segundo Woodcock (2002) “pode ser usada para expressar tanto a condição negativa de ausência de governo, quanto a condição positiva de não haver governo por ser ele desnecessário à preservação da ordem” (p.08). Outra explicação histórica do termo é dada por Leuenroth (1963) segundo este na Grécia, por volta do ano de 478 A.c., existiu um homem chamado Arquias, que escravizava e barbarizava o povo. Este, em oposição aos seus métodos se reuniu para protestar contra ele. Os integrantes desse movimento de contestação foram chamados de An-Arquias, já que o prefixo “An” significa negação (“não/sem”) na língua grega.

            No entanto, a melhor definição e explicação sobre o que é o anarquismo vem de um dos seus maiores pensadores. Na Enciclopódia Britânica, Kropotkin (1910) define anarquismo como:
É o nome dado ao princípio ou teoria de vida e conduta em que a sociedade é concebida sem governo -- a harmonia em tal sociedade é obtida, não pela submissão a leis, ou pela obediência a alguma autoridade, mas pela livre concordância estabelecida entre vários grupos, territoriais e profissionais, livremente constituídos em favor da produção e do consumo, e também para a satisfação da infinita variedade de necessidades e aspirações de um ser civilizado. Em uma sociedade desenvolvida nessas linhas, as associações voluntárias que estarão presentes em todos os campos da atividade humana se estenderão de tal forma que substituirão o estado em todas suas funções. Elas constituirão uma rede composta por uma variedade infinita de grupos e federações de todos os tamanhos e graus, locais, regionais, nacionais e internacionais temporárias ou mais ou menos permanentes -- para todos os possíveis propósitos: produção, consumo e troca, comunicações, arranjos sanitários, educação, proteção mútua, defesa do território, e assim por diante; e, por outro lado, para a satisfação de um número crescente de necessidades científicas, artísticas, literárias e sociais.
  
O Anarquismo como movimento, segundo Fausto (1977) é caracterizado como:

(...) sistema de pensamento social visando as modificações fundamentais na estrutura da sociedade, com o objetivo de substituir a autoridade do Estado por alguma forma de cooperação não governamental entre indivíduos livres (p.63).

            Segundo Woodcock (2002) embora Gerard Winstanley (1649) e William Godwin (1793) tenham sido os pioneiros na exposição da filosofia do anarquismo nos séculos XVII e XVIII, foi apenas na segunda metade do século XIX que o anarquismo emergiu como uma teoria coerente, com uma sistemática e um programa desenvolvido. Este trabalho foi iniciado primeiramente por quatro pensadores, um alemão, Max Stirner (1806-1856), um francês, Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), e dois russos, Michael Bakunin (1814-1876) e Piotr Kropotkin (1842-1921).
O movimento anarquista possui três variantes mais conhecidas: o coletivismo, o anarco-comunismo, e o anarco-sindicalismo[1]. O coletivismo substitui a propriedade individual pela idéia de propriedade gerida por instituições voluntárias, que dariam a cada operário o direito sobre o produto de seu trabalho. O anarco–comunismo tem como lema: “De cada um, de acordo com seus meios; a cada um de acordo com suas necessidades” (WOODCOCK, 2002, p.21) e os anarco-sindicalistas dão valor aos sindicatos de classes como instrumento revolucionário, tendo na greve sua mais poderosa arma de luta para a construção de uma sociedade livre.
As várias teorias apresentadas não são, contudo, mutuamente excludentes: elas se interligam de muitas maneiras, e algumas partes se referem à diferentes níveis da vida social.
No entanto, dentro do pensamento anarquista existem divergências entre as teorias apresentadas nas linhas anteriores. Essas divergências referem-se, essencialmente, à maneira de como atingir seus objetivos. Tais tendências são representadas por seus defensores, os quais são considerados por Woodcock (2002) como os maiores pensadores do anarquismo[1], a saber: Tolstoi, Godwin, Proudhon e Kropotkin. Segundo este, vem deles as principais divergências do anarquismo onde Tolstoi não admitia a violência; Godwin procurava alcançar a mudança através da palavra; Proudhon acreditava que a proliferação pacífica de organizações cooperativas os levaria a vitória; e, somente Kropotkin aceitava a violência, mesmo assim com relutância, pois via nela uma ação inevitável para aqueles que buscavam uma revolução social.
As idéias anarquistas naturalmente não pararam de se desenvolver, nem tampouco elas foram produto de apenas quatro homens. O anarquismo é pela sua própria natureza uma teoria em evolução, com muitos ativistas e pensadores diferentes uns dos outros.
Pretendemos aqui relatar a importância do anarquismo para o desenvolvimento da ciência geográfica, partindo da importância de dois dos principais geógrafos que tinham no anarquismo o seu método de análise: Èlisée Reclus e Piotr Kropotkin.
    
O debate anarquista e a geografia

As ligações entre o anarquismo e a geografia são evidentes a partir do reconhecimento de que, dois dos principais militantes anarco-comunista do final do século XIX, o francês Èlisée Reclus e o russo P. Kropotkin eram geógrafos destacados. Logo, a inserção do pensamento anarquista no âmbito da ciência geográfica acontece a partir das contribuições desses dois geógrafos, pois, o fato é de que, os trabalhos acadêmicos dos mesmos, no campo da geografia, estavam profundamente influenciados pelas idéias políticas anarquistas.
Suas contribuições são muito diferentes daquelas de os antecederam, como por exemplo, as contribuições de Alexandre Von Humboldt, Karl Ritter e as de Friedrich Ratzel. Esses últimos alinharam-se às classes dominantes, conquistaram postos acadêmicos e serviram a soberanos e presidentes, já os dois geógrafos anarquistas contestaram a estrutura de poder, desqualificaram a existência do Estado, professaram idéias radicais de mudança social e saíram em defesa da classe trabalhadora.
Positivistas e adversários de Karl Marx na militância política principalmente durante a Iª Internacional, eles incorporaram, todavia, algumas categorias marxistas em suas obras e anunciaram um caminho libertário tanto para a sociedade quanto para a geografia.
Segundo Woodcock (2002), ambos geógrafos anarquistas eram oriundos de classes sociais distintas, onde È. Reclus provinha de uma família francesa modesta, era filho de pastor protestante, colocando-o, assim, na pré-destinação ao sacerdócio. P. Kropotkin, por sua vez, era de ascendência nobre, filho de latifundiário russo, predestinado a seguir carreira militar, integrando-se aos batalhões de elite que protegiam o Czar. Kropotkin chegou a freqüentar a corte e posteriormente foi matriculado em uma escola preparatória de oficiais.
No entanto, ambos pensadores combateram pelas mesmas idéias e cooperaram em trabalhos de natureza tanto política quanto científica na construção de uma sociedade libertária.
Èlisée Reclus (1830-1905) foi um francês que marcou sobremaneira os rumos tomados pela geografia mundial. Ao contrário dos chamados clássicos da geografia de seu tempo, ele advogava a idéia de uma “geografia unitária”, propondo elaborar estudos de maneira a abranger tanto os aspectos e implicações físicas como também os de cunho social. É desta maneira que ele também designava sua proposta de “geografia social”. Para ele a geografia deveria exercer um papel maior do que o habitualmente atribuído dentro da perspectiva disciplinar que constitui a abordagem estritamente especializada.
Suas dificuldades em desenvolver estudos e de publicá-los foram enormes, uma vez que, os próprios editores rejeitaram esta nova proposta de abordagem dos estudos geográficos, comportando uma atitude de desrespeito aos postulados até então estabelecidos.  
È. Reclus tem como suas principais obras, “A Terra”, em dois volumes, editada em 1869, a “Nova geografia universal”, que veio à público de 1875 a 1892, em dezenove volumes, e o “Homem e a terra”, publicada de 1905 a 1908, em seis volumes, todas essas obras foram frutos de minuciosa pesquisa bibliográfica realizada durante inúmeras viagens, principalmente em seus períodos de exílio. Cuidadoso e valorizando os detalhes, ressaltava as descrições e as ilustrações cartográficas, o que tornava suas obras acessíveis a um grande público. Diversamente dos seus contemporâneos, Reclus não segmentava a geografia entre física e humana, mas estudava, em detalhes, fenômenos físicos, apontando suas conexões com a ação antrópica.
Segundo Anuchin (1965), a pesquisa do meio natural era uma tarefa que facilitava a compreensão do progresso da humanidade. Eis porque È. Reclus escreveu primeiro uma “Geografia Universal” na qual estabelecia um corte horizontal da superfície terrestre, com suas fronteiras políticas, sociais e culturais, e logo após, no livro “O homem e a terra”, efetuava um corte vertical, em profundidade, estudando a ação humana desde a pré-história até a época em que ele viveu.
Assim como Èlisée Reclus, outro geógrafo fazia parte do grupo das exceções: o russo Piotr Alekseievitch Kropotkin (1842-1921), escritor, filósofo e também militante anarquista, ele foi um dos maiores defensores/pensadores do anarco-comunismo no mundo.
P. Kropotkin fundou e editou em Genebra, Suíça, juntamente com È. Reclus e os anarquistas suíços, em 1879, o jornal Lé Révolté. Foi colaborador da Geographical Society na Inglaterra e da Geografia Universal, que era de Reclus. O seu verbete sobre o anarquismo publicado na edição da Encyclopaedia Britânica de 1910 é, até hoje, uma das mais bem elaboradas definições. Kropotkin dedicou-se às investigações geográficas, geológicas e etnológicas, atividades pelas quais sempre sentira forte atração — os informes sobre suas pesquisas foram publicadas pela Sociedade Geográfica Russa entre os anos de 1871 e 1874 (Costa, 1996).
Na época em que era secretário da Sociedade Geográfica Russa, em 1874, ele foi preso e conseguiu escapar e se refugiar na Inglaterra em 1876. Ele desenvolveu teorias sobre a ajuda mútua e associações de trabalhadores, o que norteou praticamente todas as suas obras.
Kropotkin difundiu as idéias de "não-governo", de defesa dos direitos das pessoas, das associações locais, das autonomias locais e contra a centralização estatal. Kropotkin preocupava-se com a descentralização, a cooperação e também com a emancipação humana.
Sobre a geografia, P. Kropotkin afirmava que:
A Geografia deve ser em primeiro lugar, um estudo das leis que modificam a superfície terrestre: as leis que determinam o crescimento e desaparição dos continentes, suas configurações passadas e presente (...). A Geografia deve, em segundo lugar, estudar as conseqüências da distribuição dos continentes e mares, das elevações e depressões, dos efeitos da penetração do mar e das grandes massas de água no clima. Ela deve ainda explicar a distribuição geográfica dos seres vivos, animais e vegetais. E a quarta função da Geografia refere-se aos grupos humanos sobre a superfície da Terra. Suas distribuições, seus traços distintos, a distribuição geográfica das etnias, dos credos, dos costumes, das formas de propriedade e as relações disso tudo com o meio ambiente (...). O ensino da Geografia deve perseguir um triplo objetivo. Deve despertar nos alunos a afeição pela natureza. Deve ensinar-lhes que todos os seres humanos são irmãos qualquer que seja a sua nacionalidade ou a sua 'raça'. E deve inculcar o respeito pelas culturas ditas 'inferiores' (KROPOTKIN, 1885, p. 26).

Kropotkin sempre teve preocupações sobre o papel da geografia na formação crítica das pessoas e principalmente das crianças, a partir do ensino da mesma na escola elementar. Sobre essa questão ele diz:
O papel da geografia na escola elementar é motivar a criança pelo grande fenômeno da natureza, despertando o desejo de conhecer e explicar. A geografia deve prestar, além disso, um serviço ainda mais importante, que é o de nos ensinar (...) que todos nós somos irmãos qual quer que seja a nossa nacionalidade (...). A geografia deve contrabalançar a influência hostil dos preconceitos e criar outros sentimentos mais humanísticos. Ela deve mostrar que cada nacionalidade trouxe a sua própria contribuição para o desenvolvimento geral da humanidade e que somente uma pequena parte de cada nação está interessada em manter as hostilidades e os preconceitos (KROPOTKIN, 1885, p. 30).

Èlisée Reclus: por uma anarco-geografia

Assim o homem que quer realmente desenvolver-se como ser moral deve defender exatamente o contrário do que recomendam a Igreja e o Estado: ele deve pensar, falar, agir livremente.
(RECLUS, 2002).

O geógrafo e militante anarquista Jean Jacques Èlisée Reclus, nasceu em 15 de março de 1830, na cidade de Sainte-Foy-la-Grande na França e faleceu em 4 de julho de 1905. Participou da Iª Internacional ao lado dos libertários Kropotkin e Bakunin contra os, segundo ele, comunistas autoritários K. Marx e F. Engels em 1865, ele participou também da Comuna de Paris em 1871, fazendo frente ao evolucionismo e ao marxismo.
Por ser contemporâneo do século XIX, a sua formação ideológica teve influência de pessoas de sua época, como de seu colega de classe, Friedrich Ratzel e de seu professor de geografia na Universidade de Berlim, Karl Ritter.
Èlisée Reclus começou a ler desde cedo os socialistas utópicos como, Saint-Simon, Fourier e Proudhon. Tornou-se ateu com 22 anos ao abandonar as crenças protestantes.
Na área da geografia, lecionou na Nova Universidade de Bruxelas, onde produziu obras geográficas populares e de qualidade, com ideais de humanismo e de solidariedade entre os povos. Sobre a atuação de Reclus, Fernandes e Andrade afirmam:

Pode-se mesmo afirmar que a sua vida foi dividida em duas direções: a política, dedicada ao pensamento e à ação anarquista, e a científica, dedicada ao conhecimento geográfico. Atuando ou escrevendo, utilizou sempre as duas vertentes: a do cidadão, revolucionário e libertário, e a do cientista, consciencioso e competente (1985, p. 07).

È. Reclus fez uma exposição geral a respeito da evolução da humanidade — ao mesmo tempo em que a diferenciava de revolução. Em sua obra O homem e a Terra, mostrou que as condições sociais do meio modificam as condições naturais, além de julgar necessário que se devam ter certas doses de pressão algumas vezes, a fim de se preparar o terreno para uma futura revolução social, sempre levando em consideração a análise dialética das relações homem/natureza.

Reclus usou um método descritivo que consistiu em dividir a superfície da Terra em grupos de estados e analisar cada área ou região que compunha os estados, detendo-se exaustivamente tanto nos aspectos físicos — relevo, clima, hidrografia, formação geológica, vegetação natural — quanto nos aspectos humanos, como organização do povoamento, utilização do espaço, formas de exploração econômica, relações de classe, sistemas de transporte e organização da rede urbana (FERNANDES & ANDRADE, 1985, p. 18).

Ele salientou também, que a geografia deveria se preocupar mais com o que ele denominava de leis fundamentais da História, a saber: a luta de classes, em que se encontra dividida a sociedade; o equilíbrio através da revolução social; e a contribuição predominante do indivíduo, que somente com sua qualidade e seu aprimoramento intelectual seria possível o progresso.

Reclus chamou atenção ainda para o fato de haver sempre no mundo colonial — o que hoje chamamos de Terceiro Mundo — uma classe ou grupo dominante local que se beneficia com a dominação e que se alia ao dominador estrangeiro, oprimindo o povo. Os mecanismos da dominação são manejados pelo país dominador com o apoio de parcelas minoritárias do país dominado que traem os interesses de sua pátria e se põe à serviço do invasor (FERNANDES & ANDRADE, 1985, p. 18).

            Grande parte de sua obra, que tem explícita conotação crítica ao governo da França e que mostrava que os anseios do povo divergiam dos anseios das classes dominantes, foi escrita no exílio, devido à sua recusa em apoiar e em escrever de acordo com os interesses do poder, do Estado, da burguesia francesa e de suas aliadas, além dos próprios geógrafos contemporâneos a ele, bem como os que viriam depois, sendo por isso boicotado muitas vezes.
            Numa época em que os geógrafos dificilmente abordavam o assunto do cotidiano urbano e da industrialização em andamento, Reclus mostrou que todo esse processo estava caminhando junto com a miséria que crescia cada vez mais e que tinha como um dos agravantes, o êxodo rural.

Reclus não se submeteu as censuras de quaisquer espécies e procurou dar uma visão vertical da ação do homem na superfície da Terra, cobrindo duas categorias: espaço e tempo. Em L’homme et la Terre, a problemática é apresentada de forma muito ampla, e Reclus corrobora a sua afirmativa de que ‘a geografia é a História do espaço, enquanto a História é a geografia do tempo’, propondo-se a fazer uma geografia social. São analisados com profundidade os temas mais diversos e atuais, como: a origem do homem, a distribuição das populações, a evolução históricas da humanidade, as formas de Estado e de governo, o problema das etnias, das religiões, das culturas, do trabalho, da colonização, do progresso, da educação etc. (FERNANDES & ANDRADE, 1985, p. 19).


As preocupações de Èlisée Reclus com a Geografia

·      Quanto à natureza da geografia:

Ele se preocupava com o rumo que a sociedade estava tomando, utilizando a geografia para denunciar a desigualdade econômica, política, cultural e social entre os indivíduos; a divisão de classes com interesses opostos que acabam com o equilíbrio “através de luta entre os dominadores, que procuram manter e defender os seus privilégios, e os dominados, que procuram, por meio de pressões ou de luta armada, romper o equilíbrio e ocupar a posição de classe dominante” (FERNANDES & ANDRADE, 1985, p. 20); e a evolução social sem o esforço e o aperfeiçoamento individual, podando a liberdade. Com isso vêm as guerras por onde “os dominados, se vencem, modificam as estruturas sociais em seu benefício e, se perdem, são submetidos a um controle mais severo e tirânico por parte dos grupos dominantes” (FERNANDES & ANDRADE, 1985, p. 20).

·      Quanto à unidade da geografia:

Èlisée Reclus era contra a divisão entre geografia física e geografia humana, pois tal atrito atraía as atenções para uma briga sem fundamento, perdendo-se de vista a preocupação da divisão de classes, da miséria e da dominação burguesa até então em curso, além de quebrar a harmonia da geografia como ciência.

Reclus também se punha contra as idéias dominantes do determinismo geográfico, desenvolvido, com alguma moderação, por Ratzel e levado a exageros por discípulos como Huntington e Helen Simple. Não caiu, porém, no possibilismo de Vidal de la Blache que, fundamentalmente ambientalista, é, na verdade, um determinismo moderado (FERNANDES & ANDRADE, 1985, p.21).

·      Quanto ao comprometimento político da geografia:

O que interessava para È. Reclus era como a geografia poderia ser útil para explicar e resolver a questão dos problemas e das diferenças sociais. É neste sentido que norteia a obra de Reclus, como afirmam Fernandes e Andrade:

A obra de Reclus levantara uma série de problemas, como o problema do crescimento urbano, o do desenvolvimento industrial, o da análise das estruturas econômicas, políticas e sociais, o da colonização e o das formas de dominação, demonstrando até mesmo o caráter imperialista da expansão colonial, no momento em que os geógrafos, em geral, procuravam justificar essa expansão como necessária ao progresso e à civilização. Reclus demonstrava, sobretudo para as colônias de exploração, como o colonizador era mobilizado pelo interesse da exploração das populações nativas e dos recursos existentes, e não pelo desejo de levar a religião e a fé da civilização ocidental aos povos considerados selvagens e bárbaros (1985, p. 26).

Élisée Reclus e o determinismo
Èlisée Reclus consegue facilmente a unanimidade para a amplitude de sua obra: quantidade considerável de escritos, de informações levantadas para a época e de trabalho realizado em condições materiais muitas vezes delicadas. Sobre a qualidade, além de seu estilo literário igualmente reconhecido, um núcleo duro se destaca que está longe de ter enrugado. Reclus inicialmente levou certo número de ferramentas para a Geografia. Segundo Anuchin (1965) foi ele quem criou a expressão “ambiente geográfico” e, segundo Dunbar (1981), “geografia social”. Mas nem por isso Reclus procurou fazer um corte de sua disciplina. Tratava-se de introduzir claramente no domínio da “geograficidade”, como destaca Lacoste (1989), o conjunto das questões (econômicas, políticas, ecológicas, etc.) que ficavam até então mais ou menos separadas, e isso numa perspectiva de inter-relações que sublinhavam a problemática natureza/sociedade.
O que parece evidente hoje em dia (como, por exemplo, a influência das políticas estatais sobre o arranjo do território) estava longe de ser óbvio ainda nessa época. È. Reclus evocou sem rodeios as colonizações, os imperialismos, as guerras.
De uma ontologia científica exemplar, ele rejeitava todos os preconceitos. Kropotkin (1987) lembra:
Seu profundo respeito pelas nacionalidades, clãs ou tribos, civilizados ou não. Não somente sua obra está livre de toda vaidade nacional absurda ou de preconceito nacional ou racial, como ele conseguiu, além disso, mostrar (...) aquilo que todos os homens têm em comum, o que os une e não aquilo que os divide (p. 63).

Ainda hoje, a problemática natureza/sociedade continua sempre igualmente discutida. Neste contexto surgem alguns questionamentos, tais como: em que o homem é influenciado ou modificado pelo ambiente físico? Qual é a participação dos comportamentos adquiridos (pela educação, o entorno social, etc.) e dos comportamentos inatos?
Em Geografia, todas essas questões gravitam em volta do “determinismo”. Este pode chegar a conclusões tão parciais quanto falsas sobre o vínculo entre a distribuição da população e a freqüência dos pontos de água ou entre o estado das civilizações e a natureza de seu clima.
Sobre o determinismo, Reclus tem uma posição muito firme: ele se opôs, em princípio, àqueles que privilegiam um único fator na explicação de um fato:

É por um esforço de abstração pura que as pessoas tentam apresentar esse traço particular como se ele existisse distintamente e que se busca isolá-lo de todos os outros para estudar a influência do mesmo (...). O meio é sempre infinitamente complexo (FERNANDES & ANDRADE, 1985, p. 108).

Para Èlisée Reclus, o homem é uma parte desse meio e de sua dimensão física, a Natureza (“o homem é a natureza tomando consciência de si mesma”); como Kropotkin, ele sublinha isso constantemente em seus escritos.
O homem é suficientemente poderoso para dominar a natureza. Mas ele não pode esquecer as leis da mesma, a não ser em detrimento delas. Sobre esse poder humano sobre a natureza, em sua conclusão de O Homem e a Terra, Reclus ironiza assim a ideologia do super-homem, esses “aristocratas do pensamento” ou da riqueza.
Isso não surpreende, pois, os anarquistas, ecologistas pioneiros, reconhecem as leis naturais como as únicas contra as quais o homem nada pode e os colocam aquém das leis que os homens podem se dar livremente a eles mesmos (Bakunin, o qual Reclus encontrou em plena Iª Internacional, declara: “nenhuma rebelião contra a Natureza é possível”).
Isso significa, portanto, que o homem, indivíduo e sociedade, permanecem submetidos aos elementos físicos?
Não, pois para È. Reclus a variação desses elementos no espaço e no tempo e a modificação constante de nossas percepções impedem qualquer hierarquia metódica das causalidades. Ele também emprega o termo “dinâmico" para definir o modo das inter-relações, noção que será retomada por seus sucessores, o que lembra o termo “cinética” empregado por P. Kropotkin.
Em toda parte, o homem pode se adaptar às condições naturais, portanto pode modificá-las, se tiver os meios para tanto. Segundo Dunbar (1981), Èlisée Reclus mostra isso com a ajuda de múltiplos exemplos e de mapas, sem se contentar com diatribes contra o Estado ou burguesia e sem se esconder atrás dos conceitos forjados e propositais como fazem os marxistas com o “modo de produção” ou o “materialismo histórico”. Ele procura estabelecer todas as conexões e demonstrar os processos para captar a complexidade do real. O que a posição de Reclus subtende é essa opção lúcida, inabalável, cruel e visceral, ou seja, a liberdade, esse sentimento no qual tudo é, tudo continua, onde tudo deve ser possível.
Com razão, Dunbar (1981, p. 12) lembra que È. Reclus declarava: “sou geógrafo, mas acima de tudo sou anarquista” e comenta que “assim como sua geografia era necessária ao seu anarquismo, também seu anarquismo enriquecia sua geografia; não podemos entender Reclus se olharmos um sem o outro”. A orientação libertária de Reclus é exatamente a garantia da independência, do julgamento crítico e da honestidade indispensável a toda busca sincera. E ela vai muito mais longe que o possibilismo clássico desenvolvido por certos geógrafos contra o determinismo corrente, pois ela não ignora a existência de leis geográficas.

Piotr Kropotkin: “o príncipe anarquista”

Os Estados caminham a todo vapor para a ruína, para a bancarrota; e não está longe o dia em que os povos, cansados de pagar anualmente quatro bilhões de juros aos banqueiros, proclamarão a falência dos Estados e mandarão estes banqueiros lavrarem a terra, se tiverem fome. (KROPOTKIN, 2005)


Piotr Kropotkin foi um dos principais anarquistas da Rússia do final do século XIX e início do século XX e um dos defensores do que ele mesmo chamava de comunismo libertário[1]. Como já vimos em linhas anteriores, Kropotkin foi o principal pensador/defenssor da corrente de pensamento anarquista denominada de anarco-comunismo. 
A base de tal concepção encontra-se na idéia de que o critério para o consumo (tanto de bens quanto de serviços) dos indivíduos não seja o trabalho, mas a necessidade. Kropotkin propagava assim, um sistema de distribuição livre da produção, conceito este que está ligado ao raciocínio de que, não é possível medir a contribuição isolada de um indivíduo na produção social, e que, portanto, uma vez realizada, toda ela deva ser desfrutada socialmente.
Kropotkin vê na coletivização dos meios de produção o objetivo da transformação social, mas, diferentemente de alguns, infere que a este fenômeno seguiriam como consequência inevitável a distribuição livre e a extinção de qualquer sistema de salários.
Numa tal sociedade a produção seria orientada para o consumo e não para o lucro. Kropotkin vai além em suas considerações sobre esta outra forma de sociabilidade ao vislumbrar uma ciência dedicada a descobrir meios para conciliar e satisfazer as necessidades de todos.
O problema que se levanta quando se pensa em uma distribuição livre, Kropotkin não vê aí uma abertura para a instauração de um governo revolucionário, pelo contrário, diz ser a cooperação voluntária o substituto tanto para a propriedade privada quanto para a desigualdade, categorias nas quais se fundamentam o Estado.
Neste sentido, Kropotkin defende um sistema de administração pública fundada na idéia de comuna não apenas enquanto unidade administrativa mais próxima do povo e de suas preocupações imediatas, mas também enquanto associação voluntária que reúne os interesses sociais representados por grupos de indivíduos diretamente ligado a eles. Logo, a união destas comunas produziria uma rede de cooperações que substituiria o Estado.
Devido a sua influência política, seu título e sua proeminência como um anarquista no final do século XIX e começo do XX, P. Kropotkin ficou conhecido como "o Príncipe Anarquista".

Considerações Finais
Decididamente, caminhamos a passos largos para a revolução, para uma comoção que, ao eclodirem um país, vai-se propagar como em 1848, a todos os países vizinhos e, ao abalar a sociedade atual até suas entranhas, virá renovar as fontes da vida. (KROPOTKIN, 2005, p. 21)


A proposta de uma geografia libertária não se remete apenas ao campo das ciências, mas sim, ela ocorre juntamente com a formulação de uma proposta de um modelo societal divergente com o atual modelo de organização social, político e econômico, pois, onde, respectivamente, um é caracterizado pela produção coletiva, organização de coletivos e federações de trabalhadores, distribuição livre da produção a partir das necessidades de cada um, abolição da propriedade privada e pelo fim do Estado; o outro é caracterizado pela exploração dos trabalhadores, geração de lucro, miséria, fome, desemprego, propriedade privada e por uma classe política burocrática que absorve toda a riqueza produzida.     
É a partir do exposto no decorrer do texto que consideramos relevante a análise anarquista para o estudo da geografia, principalmente no que tange a relação homem/natureza e todas as problemáticas sociais existentes agravadas com o desenvolvimento do capitalismo.


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