quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Por que eu apoio os Black Blocs

Acusados de "sequestrar" os protestos dos professores no Rio de Janeiro na noite de segunda-feira, os Black Blocs, como são conhecidos os manifestantes que usam roupas e máscaras pretas e costumam empregar táticas polêmicas, têm dividido a opinião pública no Brasil.
Os críticos descrevem os membros e simpatizantes do grupo como vândalos e baderneiros que depredam o patrimônio público e privado, incluindo ataques contra agências bancárias e prédios do governo – como a tentativa de incêndio na sede da Câmara Municipal de Vereadores do Rio.
De acordo com as autoridades locais, além dos ataques à Câmara, pelo menos nove agências bancárias foram depredadas, um ônibus foi incendiado e outros dez também foram atingidos. Prédios foram pichados, e outros estabelecimentos comerciais também foram danificados, incluindo o Consulado de Angola.
Mas há também os que defendem o resultado das ações do grupo, argumentando que, embora discutíveis, elas aumentam a pressão sobre as autoridades e chamam a atenção do país e do mundo justamente para as manifestações que são acusados de "sequestrar".
Formado em Rádio e TV, o produtor de vídeo e ativista Rafael Puetter, de 27 anos, é um dos cariocas que saem em defesa do grupo, embora ressalte que, apesar de apoiar os Black Blocs, não recorre à violência quando sai às ruas do Rio.
Para Puetter, é vísivel que o número de manifestantes que aderiram às táticas do grupo vem crescendo nos últimos meses. Leia abaixo o depoimento ao repórter da BBC Brasil Jefferson Puff em que Rafael diz por que apoia os Black Blocs.


"Os Black Blocs no Rio de Janeiro são diferentes de qualquer outro lugar do mundo, e colocam em prática ações diferentes. Há universitários, mas há também pessoas sem-teto e muitos pobres.
Há muitos ali que não têm nada a perder e nem têm noções políticas sobre o que está acontecendo, mas agora todos estão em contato, e há uma interação e uma politização crescente.
Na Câmara dos Vereadores, na segunda-feira, já havia manifestantes dentro do prédio quando os Black Blocs chegaram. Elas pediram para que eles não começassem a depredar, já que a intenção era ocupar. Os Black Blocs nem sabiam que já havia gente ali dentro.
Em um dado momento alguém da ocupação disse 'olha, tem biscoito aqui, podem pegar', e muitos deles ficaram tão empolgados que chegaram a tirar os capuzes para comer, até na frente da polícia. Isso me chamou muito a atenção. Eram pessoas muito jovens e muito simples.
Eu acho que aqueles que não tinham o posicionamento político de um Black Bloc estão agora entrando em contato com outros que são bastante ativos politicamente, adquirindo mais conhecimento.
Há também pessoas mais velhas, mas com certeza a grande maioria é jovem.
É perceptível que eles são um grupo muito maior agora do que há quatro meses, quando começaram os protestos no país. No mínimo dez vezes maior.
Eu, pessoalmente, não uso as táticas dos Black Blocs, embora compartilhe basicamente as mesmas ideias. Eu respeito muito o grupo e tenho amigos pessoais que fazem parte e usam as estratégias deles.
Eu não quebraria nada, e nem atiraria pedras contra a polícia, mas acho que é uma ferramenta muito importante de resistência que acaba trazendo atenção para uma discussão que neste momento é muito maior do que vidraças quebradas.
Se os protestos estão se tornando mais violentos? Eu acho que eles têm sido violentos desde o início, especialmente levando em conta a ação da Polícia Militar.
Para mim, é difícil dizer para onde os protestos estão indo, mas olhando para o presente, é fácil ver que as pessoas não vão desistir. Quem vai para a rua não está desistindo, mesmo diante da violência da polícia.
O que vem por aí? Espero que coisas boas, mas a verdade é que as pessoas estão querendo mudanças, e as pessoas estão prontas para resistir e fazer essas mudanças acontecerem.
Eu acho que a relação das pessoas com os Black Blocs mudou muito nas ruas do Rio de Janeiro, especialmente depois da semana passada, quando os professores foram 'massacrados' pela polícia.
Os próprios professores têm agora defendido os Black Blocs, dizendo que eles ajudaram.
É importante ver também que eles são acusados de atos de 'vandalismo', mas as ações dos Black Blocs são sempre contra o patrimônio público ou privado, ou seja, prédios, e já a Polícia Militar ataca indivíduos, pessoas. É muito clara essa disparidade.
Eu vejo que, quando os Black Blocs agem como resistência contra esse massacre da população, acabam ganhando apoio.
Em junho, havia mais gritos de 'sem violência, sem vandalismo'. Na segunda-feira, a população aplaudiu quando eles chegaram."

terça-feira, 8 de outubro de 2013

“Não há violência no Black Bloc. Há performance”

Quebrar bancos não é violência, é performance. Esta é opinião de um manifestante dos black blocs, tática que vem ganhando adeptos no Brasil. Participante dos protestos em São Paulo na última semana, que resultaram na quebra de bancos e concessionárias, Roberto (nome fictício), de 26 anos, falou com a CartaCapital por e-mail sobre as ações. Ele explicou sua insatisfação com partidos, e os motivos que o leva às ruas para depredar símbolos capitalistas. Leia a entrevista abaixo:

CartaCapital: O que o motiva a fazer parte de um black bloc? São insatisfações com o sistema político, com partidos, com o capitalismo e o tipo de democracia que vivemos? Ou são outras razões mais específicas?
Roberto: O Black Bloc foi uma estratégia nascida em seio anarquista. Portanto, o que nos motiva é uma insatisfação com o sistema político e econômico em que vivemos. Para mim, as duas coisas são indissociáveis e têm problemas com raízes muito mais profundas do que partido X ou partido Y.
CC: De quantos protestos já participou, fazendo black bloc? Qual o primeiro?
Roberto: Fazendo Black Bloc, já foram três protestos. O primeiro foi o ato pela democratização da mídia, do dia 11 de julho. Mas antes já tinha participado de outras ações diretas, sem necessariamente a identificação com o Black Bloc. Por exemplo, os dois últimos atos pela redução da tarifa do transporte público, com a ação de queimar bandeiras do Brasil.
CC: Por que decidiu ir aos protestos e fazer parte do Black Bloc?
Roberto: Decidi ir porque considero a ação direta uma estratégia tão importante quanto a não-direta. Nossa sociedade vive permeada por símbolos, e saber usa-los é essencial em qualquer demanda, seja ela política ou cultural. Participar de um Black Bloc é fazer uso desses símbolos para quebrar pré-conceitos e condicionamentos. Não só do alvo atacado, mas até da própria ideia de vandalismo.
A sociedade tende a considerar a depredação como algo “errado” por natureza. Mas se nós sabemos e admitimos que os alvos atacados, em sua maioria agências bancárias até o momento, não foram realmente prejudicados – ou seja, os danos financeiros são irrisórios – qual é o real dano de uma estratégia Black Bloc? Por que deveria ser considerada errada a priori?
Não há violência no Black Bloc. Há performance.
CC: Não tem medo de ser preso ou de ser violentado pela polícia? Como lida com isso?
Roberto: Claro que tenho medo. Que ótimo que eu tenho medo. Existe o medo que paralisa e existe o medo que impulsiona. Lidamos com nosso medo nos organizando melhor, planejando nossas ações e debatendo cada estratégia.
Lidamos com nosso medo não sendo pegos.
CC: Você não se sente representado pelos movimentos sociais ou partidos? Por quê?
Roberto: Sinto-me “representado” por diversos coletivos ligados a movimentos sociais, como o MPL (Movimento Passe Livre), o DAR (Desentorpecendo A Razão), o CMI (Centro de Mídia Independente), a Marcha das Vadias etc. Existem outros que apoio fortemente, apesar de não poder dizer que me sinto representado porque isso seria hipocrisia: não é o meu perfil que eles querem (e devem) representar. Como exemplo, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto).
Não me sinto representado por nenhum partido político. Veja que a conotação de “representação” aqui é outra. Não me sinto representado por partidos porque não sou a favor de uma democracia representativa, mas sim de uma democracia direta. A forma como os partidos políticos estão configurados atualmente serve apenas dentro da lógica da democracia representativa.
CC: Você lê/estuda sobre anarquismo? Acha importante esse debate no contexto dos black blocs?
Roberto: Sim, estudo tanto autores clássicos quanto os mais recentes. Acho esse debate importantíssimo. Veja, a estratégia Black Bloc é uma estratégia performática antes de tudo. E com alto valor simbólico. Não se trata de depredar pelo simples prazer ou alegria de quebrar ou pichar coisas. Trata-se de atacar o símbolo que existe representado naquele local ou objeto físico. A formação política ajuda a manter esse foco bem-definido. Ajuda a pensarmos quais são os alvos que valem a pena e quais são os que se tornariam puro ataque gratuito.
Além disso, debater teoria política também nos permite reconhecer quem é mais afinado com suas ideias e maneira de pensar, dando oportunidade para outras estratégias, Black Bloc ou não. Todo debate vale a pena, ele cria desdobramentos.
CC: A imprensa vem tentando fazer uma diferenciação entre manifestantes pacíficos e violentos. O que acha dessa tentativa de dividir em duas categorias os que estão nos protestos?
Roberto: Acho ridículo. Primeiro porque essa diferenciação não é fixa. Existem manifestantes, muitos aliás, que transitam entre os ditos “pacíficos” e os “violentos” dependendo das estratégias, do ato, do grupo de afinidade e da situação. Usar de ações direta não é uma invalidação de outras estratégias. Todas são válidas, e é essa multiplicidade que nos confere força.
E segundo porque a noção de “Violência” é completamente deturpada. As ações de vandalismo e depredação não podem ser consideradas violentes simplesmente porque não são ataques contra pessoas, mas sim contra coisas. A palavra “violência” carrega uma ideologia de discurso preconceituosa e irracional e é usada para desqualificar as ações diretas a priori.
CC: Os movimentos sociais e partidos de esquerda costumam tentar o diálogo por vias institucionais. A ação direta nas ruas pode trazer mais mudanças que esses processos? Por quê?
Roberto: As ações diretas não invalidam o diálogo por vias institucionais. Quando atacamos uma agência bancária, por exemplo, não somos loucos ou ingênuos de acreditar que estamos ajudando a falir um banco. Mas nós estamos sim ajudando a tornar evidente o clima de instabilidade política e a insanidade da nossa sociedade capitalista.
As táticas Black Bloc são uma demonstração do poder que já existe nas mãos da população, e esse poder é normalmente desconsiderado pela simples existência das chamadas “vias institucionais”. Quando atuamos com ação direta, queremos também chamar atenção a isso, a essa multiplicidade de caminhos para atender as reivindicações sociais e à ineficiência de se utilizar apenas um, especialmente um que é viciado pelo próprio sistema onde está inserido. Queremos demonstrar que política também se faz com as próprias mãos.
Não queremos afirmar que as ações diretas nas ruas podem trazer mais mudanças que esses processos, mas sim que as ações diretas nas ruas podem trazer mudanças A esses processos. É mais pressão, mais autonomia.
CC: Quais você acha que devem ser os alvos de ações diretas e por quê?
Roberto: Bancos e outras instituições financeiras por simbolizarem o capital; algumas sedes administrativas do poder público, por simbolizarem o Estado; alguns monumentos públicos (a idolatria aos bandeirantes é fascismo histórico e valorização do genocídio, por exemplo); relógios públicos (são suporte para a publicidade e simbolizam a escravidão pelo tempo); concessionárias, por incentivarem nosso modelo falido de transporte e vida em sociedade.
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terça-feira, 1 de outubro de 2013

Drogas ficaram mais puras e baratas nos últimos 20 anos, diz estudo

Uma pesquisa realizada no Canadá revelou que as drogas tornaram-se mais baratas e mais puras ao redor do mundo nos últimos 20 anos, sugerindo um "fracasso" dos esforços para conter a produção, consumo e tráfico de entorpecentes.
O estudo do International Centre for Science in Drug Policy (Centro Internacional para a Ciência em Políticas de Drogas) foi publicado na revista científica British Medical Journal Open e avaliou programas de contenção e vigilância de governos de diferentes países.
De acordo com os responsáveis pela pesquisa, os governos deveriam passar a considerar o uso de drogas um aspecto de saúde pública, e não um assunto para a Justiça.
"Nós deveríamos procurar implementar políticas que colocam a saúde e a segurança no topo das nossas prioridades, e considerar o uso de drogas como um aspecto de saúde pública, ao invés de um problema para a Justiça criminal", diz Evan Wood, um dos responsáveis pelo estudo.
"Com o reconhecimento do improvável sucesso dos esforços para reduzir o fornecimento de drogas há uma necessidade clara para aumentar o tratamento do vício e de outras estratégias para diminuir de forma efetiva os danos relacionados ao uso de drogas", complementa.

Preços, pureza e disponibilidade
De forma geral, os números compilados pelo centro canadense mostram que entre 1990 e 2010 os preços das drogas caíram, enquanto a pureza e a potência aumentaram.
Na região andina (Peru, Bolívia e Colômbia) a apreensão de folhas de coca aumentou em quase 200% entre 1990 e 2007, mas isso não levou a uma grande redução do consumo de cocaína em pó nos Estados Unidos, colocando em xeque as políticas públicas focadas na contenção do fornecimento de entorpecentes.
Na Europa, o preço médio das drogas à base de ópio e da cocaína, reajustados de acordo com a inflação e o grau de pureza, diminuíram em 74% e 51% respectivamente entre 1990 e 2010.
Além disso, as drogas estão mais puras e mais disponíveis ao redor do mundo.
Os números do relatório mostram que houve um aumento significativo em diversos países com relação à apreensão de cocaína, heroína e maconha, conforme os registros governamentais desde 1990.
Para o centro baseado em Vancouver, a análise mostra que o foco baseado na contenção do fornecimento e criminalização tem falhado, e que outras estratégias, como a descriminalização, deveriam ser apreciadas.

Polêmica

A divulgação do estudo ocorre dois dias após um policial britânico de alto escalão ter dito que drogas como cocaína, crack, ecstasy, LSD e metadona deveriam ser descriminalizadas, e que os usuários deveriam receber cuidado e tratamento, ao invés de serem vistos como criminosos.
Para Mike Barton, a descriminalização eliminaria os rendimentos dos traficantes, destruindo seu poder. Outro aspecto positivo seria a criação de um "ambiente controlado", em que medidas para lidar com o assunto poderiam ser mais bem sucedidas.
Em resposta, o governo britânico disse que as drogas eram ilegais por serem perigosas. "Nós devemos ajudar os indivíduos que são dependentes com tratamento, ao mesmo tempo em que devemos garantir que a lei proteja a sociedade através da interrupção do fornecimento e do combate ao crime organizado que está associado ao comércio de drogas".
Entre os especialistas ouvidos pelo International Centre for Science in Drug Policy está o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que nos últimos anos vem defendendo novas estratégias para lidar com o assunto.
"Em resposta a um estudo como este, os governos em geral dizem que ‘as drogas são perigosas e por isso devem ser mantidas ilegais", diz.
"O que eles não consideram é que assim como esta e outras pesquisas já sugeriram, as drogas são mais danosas à sociedade, aos indivíduos e aos contribuintes – precisamente pelo fato de serem ilegais. Alguns países europeus já tomaram passos para descriminalizar várias drogas, e estes tipos de políticas também deveriam ser exploradas na América Latina e na América do Norte", avalia.