A valorização de quase 100% no preço do ouro desde o
início da crise econômica mundial, em 2008, está provocando uma nova
corrida ao minério na América do Sul, com a reabertura de minas
desativadas há décadas e a migração em massa para áreas de garimpo.
O fenômeno é sentido, em variados graus, em pelo menos nove países, segundo levantamento da BBC Brasil.
Enquanto tentam atrair investimentos estrangeiros para o setor, os
governos da região vêm intensificando os esforços para combater a
mineração informal.
Eles argumentam que a atividade destroi o
meio-ambiente, sonega impostos e cria áreas sem lei, onde há problemas
como a exploração sexual de mulheres. Além disso, dizem que grupos
criminosos em alguns países sul-americanos estão se valendo da
exploração de ouro para se financiar e lavar dinheiro.
Considerado um investimento seguro em tempos de
instabilidade nas bolsas e forte oscilação de moedas, o ouro valia cerca
de US$ 800 a onça (31 gramas) no fim de 2007.
Desde então, dobrou de preço, chegando a US$
1.600. "Com o preço nesse nível, minas que não eram viáveis por terem
baixo teor de ouro, hoje, se tornaram rentáveis, e minas já exploradas
estão sendo reabertas", disse à BBC Brasil Arão Portugal,
vice-presidente no Brasil da mineradora canadense Yamana.
No Brasil, entre as minas que serão reabertas
está a de Pilar de Goiás, cidade fundada em 1741 durante o primeiro
ciclo de ouro brasileiro. Outra é Serra Pelada, no Pará, que deve
retomar suas atividades no início de 2013.
Migração
No Peru, principal produtor de ouro da América
do Sul e sexto maior do mundo (os primeiros do ranking são China,
Austrália e Estados Unidos), a alta do minério tem estimulado dezenas de
milhares de moradores da região andina a tentar a sorte na Amazônia,
onde há vastas reservas inexploradas sob a floresta.
Muitos deles se instalaram em barracas à beira
da recém-inaugurada Interoceânica, estrada que liga o noroeste
brasileiro a portos peruanos no Pacífico, para explorar ouro no entorno
do rio Madre de Deus e de seus afluentes.
A BBC Brasil esteve em alguns desses garimpos,
que se estendem na rodovia por ao menos 50 quilômetros e começam a
surgir a cerca de 250 km da fronteira com o Brasil.
Ao redor dos acampamentos, áreas desmatadas e
que tiveram o solo revirado expõem os efeitos colaterais da atividade,
agravados à medida que a exploração avança pela floresta. Os danos
ambientais incluem ainda a sedimentação dos rios e contaminação de suas
águas por cianeto e mercúrio, usados no beneficiamento do minério.
Para combater a mineração informal, o governo
peruano aprovou, no início do ano, um decreto que torna a atividade
crime, com pena de até dez anos de prisão. Simultaneamente, passou a
explodir dragas encontradas nos garimpos.
Em resposta, cerca de 15 mil mineradores,
segundo estimativa da imprensa local, foram protestar em Puerto
Maldonado, capital de Madre de Dios. O grupo se deparou com 700
policiais, que abriram fogo para dispersar a multidão. Os confrontos
deixaram três mineradores mortos e ao menos 55 pessoas feridas, entre as
quais 17 policiais.
Economia local
Confrontos em razão de restrições governamentais
à mineração informal também têm ocorrido na Colômbia. Em dezembro,
mineradores da região do Baixo Cauca, no noroeste colombiano,
incendiaram pneus e fecharam vias na cidade de Caucasia. Eles
protestavam contra o que consideram um tratamento prioritário dado pelo
governo às multinacionais na concessão de licenças para mineração. As
forças de segurança intervieram com bombas de gás lacrimogênio.
Segundo
Carlos Medina, professor da Faculdade de Direito e Ciência Política da
Universidade Nacional da Colômbia, o ouro começou a ser explorado no
Baixo Cauca nos tempos coloniais. No entanto, a atividade foi reduzida
drasticamente nas últimas décadas, porque deixara de ser rentável. Com a
escalada nos preços, o ouro voltou a sustentar a economia local.
O lojista Davidson Garcez, que atua na compra e
revenda de ouro em Caucasia desde 1986, calcula que nos últimos quatro
anos houve um incremento de 40% no comércio do minério. Ele diz que,
quando ingressou no mercado, os mineradores que empregavam
retroescavadeiras tinham de encontrar três castelhanos (ou 13,5 gramas)
de ouro por dia para cobrir seus custos. Hoje, devido à valorização,
basta que encontrem 1 castelhano (4,5 gramas) ao dia.
"Minas que foram degradadas há 15, 20 anos voltaram a ser exploradas", disse ele à BBC Brasil.
Em sua loja, o vendedor Lucio Ruiz observa
orgulhoso as pilhas de ouro que serão negociadas com grupos empresariais
de Medellín, maior cidade da região. De lá, serão exportadas
principalmente para a Europa, Ásia e Estados Unidos.
"Gosto de imaginar que logo este ouro poderá
estar no pescoço de alguma mulher americana, ou quiçá nos cofres de um
banco no Japão", afirma.
Combate
Em discurso em janeiro em Caucasia, o presidente
colombiano, Juan Manuel Santos, afirmou que buscaria coordenar esforços
com países vizinhos que também estariam sofrendo com a mineração
ilegal, entre os quais citou o Equador, o Peru e o Brasil.
"É um fenômeno que está acontecendo na região,
entre outras coisas, pelo alto preço do ouro, mas também porque os
grupos criminosos encontraram um filão onde às vezes os Estados demoram
em ser efetivos em sua reação."
Nos últimos anos, governos da Venezuela, Bolívia
e Equador também vêm adotando linha mais dura quanto à mineração
informal, empregando inclusive as Forças Armadas em operações contra a
atividade.
No Brasil, 8.700 militares atuam desde o último
dia 2 numa megaoperação na Amazônia que busca, entre outros objetivos,
combater garimpos ilegais nas fronteiras com a Venezuela, Guiana,
Suriname e Guiana Francesa.
A ação, denominada "Agata 4", mobilizará, por um
mês, 11 navios, nove helicópteros e 27 aviões. A iniciativa se soma a
três operações da Polícia Federal (PF) ocorridas desde o ano passado
para combater o garimpo ilegal de ouro na região Norte.
O governo brasileiro vem sendo cobrado
especialmente pela Guiana Francesa, Guiana e Suriname a controlar a ação
de garimpeiros brasileiros na fronteira com esses países, atividade
desenvolvida há décadas mas que ganhou novo fôlego com a alta dos
preços.
No dia 25 de abril, num sinal da crescente tensão na região, cerca de cem mineradores brasileiros foram presos na Guiana.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120529_ouro_corrida_jf_ac.shtml